domingo, 30 de outubro de 2011

Caos

É fim da tarde de domingo e resolvo levar meu cachorro para dar uma volta na Praça da República. Sei que é o pior dia e talvez o pior horário para dar um passeio. O local esteve lotado o dia inteiro. Não fosse um peso residual de energia deixado pelas pessoas, seria o lixo que deixam e principalmente, a galera que vai ficando até mais tarde. Há bêbados costumeiros, turmas que tocam violão já com a octanagem etílica nas alturas e os meninos darks, que se vestem de preto, casacos, e se reúnem para conversar, paquerar, fumar maconha e quem sabe o que mais. Em todos os grupos, é absolutamente liberado o homossexualismo, o que considero até um avanço. Nos dias de semana temos sempre pivetões aqui e ali e os casais homos à vontade. Mas a tarde estava bonita e fui.
Encontro amigas com seus cachorros, crianças e ficamos conversando. Próximo, duas moças e um rapaz fumam maconha. O cheiro chega bem forte até nós, levado pelo vento. Resolvo dar um giro na Praça, para fazer Antonio (meu cachorro) caminhar alguma coisa. Vejo que em direção contrária à minha, vem uma patrulha da Guarda Municipal, três homens e uma mulher. Vai passar próximo ao grupo que fuma. Fará alguma coisa? Olho em volta. Há vários outros grupos à vontade, se me entendem. Tenho mixed emotions em relação à maconha. Não fumo. Já fumei. Não gostei. Nem senti efeito. Quanto aos outros, não sei o que os atrai. Mas acho que se liberam o alcool, deveriam liberar a maconha. Ou proibir tudo. Enfim, caso complicado. Dou a volta e agora encontro a patrulha, que circundou a estátua da República.
Boa noite. Qual a atitude de vocês em relação à maconha. Um deles me responde, em um tom razoavelmente agressivo. Atuamos apenas na prevenção. Pergunto se pode definir melhor o que é a prevenção que fazem. O senhor é advogado, empresário, então deve saber o significado da palavra. Não, eu sou jornalista. Então melhor ainda, sabe o que quer dizer. Você não me entendeu. Sou um usuário da praça, pessoa comum, com meu cachorro, e pergunto ao funcionário público a respeito de um conceito que formulou ao responder uma pergunta simples. Se é um jornalista, devia nos ajudar. Publicar em alguma coluna, para ver se alguém faz alguma coisa. Onde o senhor está escrevendo agora. Não estou escrevendo. Peça para algum amigo. Mas espera aí, vocês estão respondendo à minha pergunta, com outras, de maneira até agressiva. Meu amigo, depois que soubemos da vereadora Vanessa Vasconcelos que paga sua empregada com dinheiro público, você acha que podemos fazer alguma coisa? Outro policial me diz que presta serviço no Ver o Peso e apenas hoje está trabalhando ali. Que conhece todos os maconheiros da Praça. Que não se resolve nada. Fazem flagrante, levam na Delegacia e logo depois estão soltos. Dá em "taturagem" me diz a moça. Pergunto o que quer dizer "taturagem". De maneira agressiva ela pergunta se nunca ouvi falar nisso. Não. Taturagem é quando não dá em nada.
Me pergunto o que pode ser feito. Aqueles profissionais de segurança pública, embora destinados ao patrimônio público, estão em posição absolutamente frágil. Estressados, não estão ali para fazer segurança de nada, a não ser meramente por desfilar daqui pra lá, de lá pra cá. Estão ali para dar seu horário e receber salário ao final do mês. São atores naquele cenário. Maus atores.
Chega um rapaz de bicicleta. Com voz firme, avisa que precisa de ajuda. Uma pessoa que há algum tempo atrás o assaltou e agrediu - mostra a marca de pontos na cabeça - agora está ali na Praça provocando-o. O guarda agressivo pergunta se ele fez um BO. Não. Fui para o hospital pegar pontos. Talvez mexido com nossa conversa anterior, ele chama os colegas para ir até onde o rapaz apontou. Também percebo que com isso, livram-se da conversa desagradável. Resolvo ir junto.
No caminho, o guarda que dá serviço no Ver o Peso vai dizendo o quanto ganha, que tem família e da última vez que prenderam um traficante, ele tentou suborná-los o que não aceitaram. No entanto, alguém levou à delegacia R$2.600,00 reais e o soltou. Assim que saiu, passou a ameaçá-los. O Delegado Éder Mauro colocou aquele traficante Dote na cadeia e no dia seguinte um juiz mandou soltar. Diz-me também que na Delegacia do Comércio, quase não tem ninguém preso. São roubos leves, gente que rouba para matar a fome. Gente que mora na rua.
Como fazer? Ali ao lado do Cuíra, temos uma galera que mora na rua. Nós os chamamos de "nossos imãs de geladeira". Penso que uma oferta de casa, comida e trabalho não os conquistará. Preferem, em seu pequeno pensamento, ficar na rua, onde não têm chefe, obrigação apenas de conseguir comida para almoço e talvez jantar. Passam ali o dia arengando, brincando, brigando, fazendo pequenos furtos, traficando. No centro da cidade. Há uma moça, Érica. Branquinha, chegou magrinha, novinha e caiu na prostituição. Viciou-se em crack. Está morrendo aos poucos. De dia, quase sem cabelo, corpo cheio de espinhas, boca vazia de dentes, pede esmolas, humildemente. À noite, após fumar, vira uma leoa, agressiva. E ninguém faz nada. Todos fazem de conta. Falo das autoridades competentes. Temos o dever de cobrar. Pagamos impostos altíssimos. E agora nos pedem que façamos algo pelo social. Até nas leis culturais, o artista inventa mil coisas para satisfazer o pedido de ter atitudes sociais. O artista quer apenas ser artista e mudar o mundo com sua arte. Social, ora bolas.
Acompanho de longe a ação dos guardas municipais. Eles vão até o grupo. Todos de pé. São revistados. Acusado e acusador falam. Pedem para que o acusador dê o fora. Ele vai. Agora, levam o acusado até o posto, na esquina da Assis de Vasconcelos com a Osvaldo Cruz. O que acontecerá? Nada. Uma gota de nada no oceano caos em que vivemos.
PS. Minha namorada me levou para passear na beira mar de Duciomar Costa. Nós, que vivemos cercados por este "muro de Berlém", se me permitem, somos tomados pelo rio, pela baía do Guajará. Um impacto. Não vai dar em nada. Do nada pra lugar nenhum, como canta Nilson Chaves. Enterraram milhões ali. Ou enterraram em algum bolso.. Até quando continuaremos agindo contra nós mesmos?

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