Estou em um avião retornando de quatro dias em férias na cidade de São Paulo. Não há quem possa achar ruim estar na grande metrópole. O número de pessoas nas ruas, lotando restaurantes na segunda feira, lojas e teatros. Livrarias cheias de gente interessada em Cultura. Assisti a dois espetáculos fantásticos, realmente inesquecíveis. O primeiro foi “The Wall”, com Roger Waters, do Pink Floyd e sua banda, tocando o repertório de um dos álbuns mais vendidos e reverenciados de todos os tempos. Quando fiz 50 anos, dei-me de presente assistir ao mesmo Roger Waters, no gramado do estádio do Morumbi, tocando músicas de “Dark side of the moon”. Agora que chego próximo aos 60, vim revê-lo. Curioso notar a maciça presença dos “tiozinhos”, pais e filhos, curtindo, sem nenhuma confusão ou alteração em tão grande plateia. Tive a sorte de estar a poucos metros do gigantesco palco, com uma parede (wall) de 134 metros onde sensacionais projeções mostraram trabalhos de Banksy e outros grandes artistas em uma sincronia perfeita. Na fileira de trás, dois tiozinhos grisalhos, barrigudos, fumam um imenso tarugo de maconha e estão deliciados, um mostrando ao outro o braço arrepiado.
The Wall, curiosamente, é o resultado de um tempo de muita discussão e sofrimento. O começo do Pink não me afetou. Estava mais ligado no rock progressivo e a banda fazia algo mais cósmico, viajante, como em “Ummagumma”. Foi com “Dark side” que o sucesso começou a chegar. Depois, na maior dúvida, quando tentaram gravar a partir de instrumentos domésticos como escovas de dente e liquidificadores, inclusive a visita perturbadora, ao estúdio, de Syd Barret, veio “Wish you were here”, misturando a história de Syd e problemas conjugais de Waters. E assim veio “The Wall”. A banda discutia. Roger Waters, o baixista, disputava com David Gilmour, guitarrista, a liderança. Roger fazia as músicas. Gilmour acrescentava seu instrumento de maneira tão brilhante que o resultado era como Lennon e McCartney. “The Wall” mistura a dor de Waters pela perda do pai durante a Segunda Guerra Mundial; as agruras dos grandes artistas, que atuam diante de grandes multidões como ditadores, sendo inteiramente obedecidos, mas quando voltam para casa, estão solitários, mal amados; a pressão e as drogas que fazem artistas de boa índole virarem feras, quebrando quartos de hotel e precisando cuidados médicos para subir ao palco; o protesto contra as grandes corporações e os professores contra crianças indefesas. Waters se aborrecia com os companheiros, acusando-os de má vontade e incompetência. Gravava com músicos de estúdio. Ninguém sabia no que ia dar. O produtor Bob Ezrin botou as fitas de debaixo do braço e foi para seu estúdio particular de onde retornou com a idéia do álbum. Até para excursionar foi difícil. Tudo custava muito caro. Waters parecia querer que os companheiros fossem meramente acompanhantes. Gilmour revoltou-se. Mesmo assim, compareceu com solos que se tornaram clássicos. Saiu um filme, genial, dirigido por Alan Parker e desenhos de Gerald Scarf. É o que assistimos em São Paulo, seja em projeções, com gigantescos marionetes, uma banda sensacional, três guitarristas, mais os teclados do filho de Waters. E sim, Roger não canta todas, em algumas há lipsync. Quando em “Comfortably Numb, surge, sozinho, do alto da parede, o guitarrista para fazer o solo de Gilmour, é impossível deter as lágrimas. Muita emoção. Fico pensando naquele músico, vivendo seu grande momento, todas as noites, sozinho, no alto de uma parede, encarando estádios lotados e emocionados, tocando o solo que é o sonho de todo guitarrista, o som no mais alto volume. O grande segredo é, como no filme, mas agora ali, ao vivo, teatro puro, ópera popular, a circunstância, compreender a sequência e vibrar junto. E ainda compramos os gadjets, claro.
Fantástico também foi assistir “Vale Tudo”, o musical escrito por Nelson Motta, a partir da biografia de sua autoria, sobre Tim Maia, estrelada por Thiago Abravanel, em tudo cativante. Na incerteza do sucesso, já que contava com elenco competente, mas pouco conhecido, o produtor Chaim negociou com todos na base da percentagem. Estão todos ricos. Atuam de terça a domingo com casa lotada. É tudo muito simples, nada de riqueza em recursos técnicos. É a louca história de Tim e principalmente, a força de sua música. Impressionante. As letras, como as de Roberto e Erasmo em início de carreira, com palavras e imagens fáceis, mas certeiras. As melodias ricas, fortes, o arranjo pensado, metais, groove, irresistíveis. O elenco está adorável e o garoto que até ano passado era figurante em musicais, é um grande show, cantando divinamente. Vamos assistir ao espetáculo como a um show de Tim, de volta, vivo novamente. Claro, irreprimível o choro de emoção, juntando memórias nossas, vividas com aqueles clássicos, mais a força do que assistimos. E a circunstância, mostrando o que há por trás de cada música, como amor e brigas com suas mulheres. Era uma quarta feira e a casa estava lotada. Que beleza. Valeu a pena. Valeu tudo. Wish you were there.
2 comentários:
Maravilha de post.
Abs.
Os jornais tão carentes de uma escrita dessa!
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