Era para ser um dia normal, de
aula. Mas Janalice percebeu algo diferente ao entrar. Não que sua passagem no
pátio do colégio não provocasse, sempre, algum frisson, por conta da altura de
sua saia. Mas era mais do que isso. Dentro da sala, cochichos e risos. Então a
professora se irrita e alguém se levanta. Entrega um celular. A professora põe
a mão na boca. Sai. O que é que tem no celular? Então Jacilene assiste a uma
demorada cena de felação que ela protagoniza, junto a seu namorado Fenque, com
direito a closes de sua genitália, a pedido. Chocada, não sabe o que dizer. A
professora retorna. A diretora vem junto. Pede que ela saia. Que volte para
casa. Que somente retorne com seus pais. E atravessando o pátio, agora ouve
claramente o deboche de todos.
Jacilene tem 14 anos.
Em casa a mãe chora. Grita. Estapeia.
Rasga suas roupas. Entra o pai, com a farda de cobrador de ônibus. Tira o
cinto. Espanca. Expulsa de casa. Ela sai chorando pela rua. Em uma esquina,
Fenque está com os amigos. Ela chega e pede ajuda. Ele a trata mal. Ri de sua
cara. Os amigos também. Ela cobra. Ele dá um tapa. Sai fora.
Jacilene vai andando, pela
noite, na cidade, até o porto. Pede esmola. Consegue o dinheiro da passagem.
Está no barco. Belém ao fundo. Desembarca e vai à pé até a casa de uma tia, que
vivia no centro, com um namorado, e era sua madrinha, embora estivesse brigada
com a mãe, por suas posições. Jacilene espera a manhã chegar para subir. Conta
seu drama. A tia precisa perguntar ao namorado, dono do apartamento. Tudo bem,
pode ficar, depois a gente conversa. A tia vai trabalhar. Jacilene vai dormir.
O namorado fica por ali, assistindo tv. De tarde, Jacilene toma banho.
Penteia-se em frente ao espelho. O namorado da tia entra. É a conta que precisa
pagar para morar ali. Não pode denunciar nada. Fazem sexo. A tia chega no início
da noite. Nada é dito.
Agora, Jacilene passa os dias
zanzando no centro, com medo de voltar para o apartamento e enfrentar o
namorado da tia. Encontra uma putinha, Dionete, próximo a uma farmácia popular.
Conversam. Se identificam. Brincam. Acham graça. Passa um cliente. Ela vai.
Jacilene fica interessada. Está feliz. Arranjou uma amiga. No dia seguinte vai
ao quarto da amiga, em uma pensão. Juntas, fazem confissões. Jacilene
experimenta roupas. No outro dia, aparece um pivete, namorado da amiga de Jacilene.
Conversam. Quer fumar? Ele presenteia a namorada com um cordão. Sentam em um
bar. Outro dia, estão no quarto da amiga. Quer fumar um crack? Fazem sexo a
três. Chega tarde. Leva bronca. Outro dia, estão juntas. Chega o cafetão.
Expulsa o pivete a pontapés. Dá safanões na amiga. Olha com interesse para
Jacilene. Ela volta para casa. Considera. Outro dia, com a amiga. Chega o
cafetão. Vamos ali numa casa? Que casa? De quem? Um amigo. Vão. Ela entra e é
agarrada. Grita, mas ninguém vai ouvir. O cafetão e a amiga pegam um dinheiro e
se mandam. Entra em um quarto onde há mais quatro. Dois dias. No terceiro,
tomam leite. Sentem sono. Mas cambaleiam em direção a uma Kombi de vidros
peliculados. Circulam. Param. Jacilene está tonta mas vê que estão próximos de
um colégio. Empurram para dentro uma menina. Assustada. Tremendo. Não consegue
gritar. Alguém abafa. Escuro.
Agora estão em uma casa, com
quintal, fora da cidade. Jacilene sente o ar, o cheiro de mato. Um sítio? Uma
tiazinha negra, alta, fica tomando conta, levando no banheiro e tal. Ela pede,
com sotaque forte, para se comportarem, serem boas. Que foram escolhidas. Que
são especiais. Que vão viajar para a Europa. Chega com umas roupas. Calcinhas,
minissaias, corpetes, tops, tudo bem sexy. Vistam. Jacilene faz amizade com uma
das meninas. Ela conta que foi sequestrada num show de pagode. Perdeu-se, por
instantes, das amigas. Agora estão vestidas com as roupas sensuais. Uma a uma,
desfilam na frente de alguns negros altos, fortes, que falam outra língua. Algumas
são escolhidas. A amiga foi. Ela, não. Não há despedidas. Janalice fica. Ela
vai trabalhar com a turma que ficou.
A Kombi entra em um motel. Vai
para o lado reservado. Uma piscina. Homens aguardam e saúdam a chegada. Alguns
estão nus. Elas saem. Algumas gostam e já vão sorrindo. Uma churrascada. Dentro
da casa. O cara é gordo, feio, bêbado. O cara estica umas carreiras de cocaína.
Ensina como faz. Janalice já está muito dopada. Começa a vomitar. A fazer
espuma. O homem a toma e faz sexo mesmo que ela nem reaja. Ele se aborrece. Dá
um potente murro na cabeça. Ela se acaba pelo chão. Ele vai embora procurar
outra. Ela acorda, junta roupas. Sai andando, meio dopada, atordoada. Não sabe
como, acaba na rua. Vai andando sem rumo. Não dão por sua falta.
Agora ela faz confusão em uma
esquina. O policial a repreende. Ela enfrenta o policial. Está muito diferente
agora. Para pior. O policial a leva para a cadeia. Não há cela para menores.
Muito menos para mulheres. Ela continua respondendo torto. É colocada na cela
com 20 homens e ali fica, sendo usada por eles. Um deles tem pena. Você não
quer sair daqui? Não quer viver? Não. Eu já morri.