Se estivesse vivo, Edyr Paiva
Proença completaria 93 anos neste domingo, dia 19. Pena, faleceu no dia 5 de
maio de 1998, há 15 anos atrás. A Rádio Clube do Pará fez uma festa para
comemorar 85 anos de existência. Sim, havia retratos dele e de meu avô em
totens espalhados no salão. Mas fora isso, não houve menções maiores. Vivemos
outro tempo, a emissora tem outros donos e muitos números positivos a festejar.
Mas seja o que for, é impossível dissociar a Prc5 de Edyr Proença. Mesmo sendo
o rádio o veículo do imediatismo, onde tudo que é produzido vai ao ar e após
recebido ou não pelo público, perde-se, os feitos de Edyr Proença ficaram. Sua
acuidade, cultura, respeito, palavra fácil e equilibrada. Sua honestidade,
retidão de caráter. Todos sabiam suas preferencias clubísticas e no entanto,
não imagino ninguém com mínimo razoabilidade, emitir conceito ruim sobre suas
locuções.
Curiosa sua trajetória. Filho
de Edgar Proença, esfuziante, mestre da comunicação, do empreendedorismo,
jornalista, radialista, escritor, enveredou pela música, montando o grupo Bando
da Estrela, onde Celeste Proença era cantora. Mas na medida em que inicia os
trabalhos e adiante, casa e começam a chegar os filhos, transforma-se no homem
sério, trabalhador, jornalista e radialista preciso, assessor de imprensa no
Basa. Claro, entre amigos, permanece o excelente conversador, contador de
anedotas. Um tanto ausente para nós, pois trabalhava de manhã, à tarde e à
noite, para dar conta das contas da molecada. De vez em quando tirava o violão
da caixa e tocava suas serestas para o mais seleto dos públicos, seus filhos. O
Edgar Augusto fuçou e descobriu um acetato com as gravações do Bando da
Estrela. Adolescemos e de repente, o pai que era enérgico, duro e exigente, também
começou a adolescer. Já havia companheirismo. Passei minha infância e
adolescência acompanhando-o aos jogos de futebol. Milhares. Aprendendo a ler o
que acontecia. A ser equilibrado. Acompanhando-o às peladas noturnas no Lago
Azul. Puxa, como convivemos nessa época. E agora, as conversas sobre Cultura,
que explodia no mundo. Política, não. Detestava. Meu irmão Edgar ainda ouviu e
foi ver algumas cenas. Eu não podia. Estava mergulhado na Cultura. Veio um
festival universitário. Inscrevi duas músicas. Não passaram. Mas escrevi uma
letra, pensando no universo de meu pai e entreguei. Hesitou. Há quantos anos
não compunha? Pensou que era para o festival. Não. Virou “Amor Imperfeito”,
sucesso nas rodas de seresta, com a participação ativa de minha mãe que
acrescentou versos. E despertou de uma vez por todas o Edyr artista. Vieram
muitas e muitas. E “Bom dia Belém”, sobre versos de minha tia Adalcinda.
Aposentado, dizia, agora, não ter tempo para mais nada. E compunha, tocava e
queria opinião. Escreveu livros. Comprou computador. Estava diariamente em
minha sala, conversando sobre tudo. Vida, velhice, amigos, futebol, claro,
amava sua vida renascida, o Edyr do Bando da Estrela de volta. Parou de jogar
futebol ali pelos 60 anos. Hoje, estou às vésperas dos sessenta e descubro, em
meus papéis, um texto, poema, sei lá, que lhe entreguei, junto com presente,
nos seus 60. Ufa, tempo que passa. Não, ele não era caloroso em gestos. Era a
intensidade do olhar e da fala. Só o vi chorar uma vez. Um desastre. Uma perda.
Eu e ele, juntos, na situação.
Agora está sendo gravado um cd
com músicas suas que ficaram inéditas, cantadas por Andréa Pinheiro e arranjos
de Luiz Pardal e Jacinto Kahwage, com o patrocínio da Fundação Tancredo Neves,
onde trabalhou como Diretor do Museu da Imagem e do Som e que hoje mantém um
Hall com seu nome, no quarto andar.
Entrou com seus próprios pés no
hospital. Era uma bobagem. A infecção o pegou. Foi como se o cérebro fosse
desligando aos poucos, aquele computador Hal, tipo. Aquele gigante, meu herói,
exemplo, tudo. Já não respondia mais. Ultrapassei todos os limites impostos até
então. Passei a mão em seus cabelos, acariciei sua cabeça e chorei.
Ele passou a me acompanhar,
muito mais do que antes. O consulto sobre tudo. E também lembro de acaricia-lo.
Sinto os dedos passando sobre os fios ralos e finos. Naquele momento, estive
tão junto, tão colado a ele, quanto nunca. Às vezes, erram ao me chamar de Edyr
Proença. Não. Sou Edyr Augusto. Mas não conserto. Gosto disso. Ouvir os amigos
dizendo “de Paiva Proença”, embutindo amizade e respeito. E tudo o que ele
queria, me disse, era ser um homem bom. Foi. E é tudo o que também almejo.