Era
um sonho de criança, participar de uma passeata. Sair às ruas carregando
cartazes, gritando palavras de ordem, cantando as melodias revolucionárias.
Quem sabe, faz a hora, não espera acontecer!
De
férias no Rio de Janeiro, aquelas duas paraenses souberam da passeata no centro
da cidade e resolveram viver aquele sonho. Jeans, t-shirt, tênis, enfim, no
figurino. Lá foram pela Candelária, se divertindo, fazendo fotos, postando no
instagram. Estava tudo maravilhoso. Pais e filhos juntos. Um grande passeio. A
tarde findou belamente, como tudo na Cidade Maravilhosa. Ah, vamos tomar um
chopp e admirar a passagem da galera! Do chopp, veio a vontade de fazer xixi.
No posto de gasolina, loja de conveniências, o banheiro. A fila. Enorme. Quase
todas mulheres, claro. Lá fora, a passeata parecia engrossar. Aumentou o número
de pessoas, algumas correndo, outras aqui e ali vestidas de preto, cabeça e
rosto cobertos. Escuta, acho que a coisa está engrossando. Vamos embora? Lá em
casa tu fazes xixi. Ou então a galera faz uma casinha. E eu lá sou mulher de
casinha? Eu vou fazer xixi e é aqui mesmo. Ruído de sirenes no ar. Fumaça.
Noite. Finalmente ela entrou. Fechou a porta e do lado de fora, o tempo fechou.
Uma multidão invadiu a loja, fugindo da polícia. No pânico, invadiu o banheiro
da amiga. Vamos! Polícia! Espera que estou me espremendo pra sair mais rápido!
Vamos! Não posso, tem aquelas gotinhas que ficam e vão molhar meu jeans. E eu
lá quero saber do teu jeans? Tédoidé? Polícia lá fora, doida! Vamos! Quando
saíram havia uma estranha paz. Todos haviam fugido, inclusive os funcionários.
Aqui não vamos ficar. Saíram correndo. Pararam. Estavam exatamente entre um
pelotão do Bope e black blocs. Ouviram disparos. Bala de borracha! Soldados
marchando com escudos. Coqueteis Molotov voando. Elas no meio. Minha Nossa
Senhora de Nazaré! Correram para os soldados. É que nós nem somos daqui, sabe?
Somos de Belém do Pará... Vaza! Vaza! Correram para salvar suas vidas. Um
ônibus! Vai pra onde? Não interessa, vai pra longe daqui! Subiram. De repente,
os black blocs começaram a jogar pedras. Balançar o ônibus. Vai virar! Saíram
correndo feito um Usain Bolt destrambelhado. Pararam em um local ermo,
silencioso, poucas luzes. Puxa, que bom, escapamos! Vem um senhor andando.
Senhor, por Jesus Cristo, é por aqui que a gente vai pra Zona Sul? Copacabana,
Ipanema? Por aqui, não. E acho melhor saírem logo porque aqui é a subida do
Morro do Livramento... Por sorte, a pessoa as dirigiu a uma praça onde pegaram
um taxi. Em silêncio. Desceram. No hotel. Tu não vais mais falar comigo? TU
SABES!!!!! E caíram chorando uma nos braços da outra. Sua vida vale um xixi?