sexta-feira, 27 de junho de 2014

Moscow

Eu sei que é tempo de Copa. O Brasil joga amanhã. Mas é que olhei o calendário e percebi a chegada de julho. Amigos que moram no Sul e Sudeste, estão encapotados no frio. As residências não contam com calefação. Algumas vezes, precisamos avisar os locutores de rádio com geração em São Paulo, para as diferenças brasileiras. Vocês encolhidos de frio, nós aproveitando as férias de verão!
Essas vésperas de julho eram passadas com grande ansiedade. E no grande dia, acordávamos cedo. Embarcávamos no Presidente Vargas, maravilhoso como um cisne e éramos todos só expectativa. Na chegada, o trapiche lotado, dando boas vindas. “Sete” era o carregador de malas, colocadas cuidadosamente na camionete inglesa do “Seu Cecy”. “Celina” era o nome da casa, no Farol, nome de minha avó. Larga, ventilada, grande, com um quintal que ia até a outra rua, Bateria. Um pátio amplo, onde ficavam cadeiras, bancos, redes, de onde acenava para os amigos meu avô querido. Onde meu pai tocava violão e à noite, ligava seu Transglobe para pesquisar emissoras do mundo. No quintal, campo de futebol e de vôlei. E ficávamos lá a aproveitar a vida, crianças, livres e felizes. Uma grande família, juntando os das casas e os dos edifícios Tralhoto, Catolé e Caramujo. A pracinha do Farol no final da tarde era o lugar de encontro de todos, banho tomado, rostos vermelhos de tanto sol. Nós, garotos, na fila, aguardando a vez de dar uma volta no kart do Sr. Harley, que também fazia mágicas. Os pais de família chegavam no navio das seis da tarde, sexta feira. Desembarcavam trazendo jornais, revistas, novidades e em Belém, muitos faziam parte do bloco “solteiros de julho”, os colunistas aproveitando para fazer insinuações que deixavam as madames loucas e quem sabe, revidando.
O tempo foi passando, vieram os primeiros amores, os inesquecíveis, as peladas de futebol no Farol, os passeios com as meninas na Ilha dos Amores. Lá vem Rubem Ohana com sua Kombi cheia de brotinhos do Chapéu Virado para animar a festa. No Netuno Iate Clube, luz negra, som da Esmeril Band, de Paulo Pimenta e os rapazes com olhar de rapina, experimentando os primeiros goles de cuba libre, para dar coragem. E agora já havia, também, a boate Ressaca, de construção moderna, circular e com som mecânico. Não, ainda nem era “disco” e sim mistura de rock and roll, baladas e black music.
De dia, era pegar a bike e circular, no máximo até o Chapéu Virado para dar uma olhada nas meninas. Nos finais de tarde, ficávamos ao sol, feito lagartos, no Carramanchão. Os bem aquinhoados já mostravam seus carros, talas largas, descarga kadron e toca fitas.
Com a ponte, um número maior de pessoas pôde, também, frequentar este paraíso e com o tempo, outras ofertas como Salinas surgiram, levando um grande contingente de jovens.

Hoje, durante a semana, é como um cenário deserto. Pode-se andar, revisitar as grandes lembranças. Sentar e pensar. Como éramos felizes! No final de semana, quase sempre lotado de carros tocando bregas altíssimos, é bom passar no Hotel do Farol, tomar um banho, apreciar a vista e lembrar. Eu vou e dou alguns passos no pátio da casa que não é mais da minha família. Na pracinha. No Farol. Como que repisando minha vida. É como se novamente ouvisse aquela algazarra, crianças correndo, olha o papagaio chinando, meus irmãos, meus amigos, “Light my Fire” com Jose Feliciano e os amores todos que nunca esquecerei. Julho está chegando.
(Publicado na coluna "Cesta" em O Diário do Pará, 27.06.14)

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