sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A LIGA

São sete horas da noite e está para começar o ensaio no Cuíra. Me aproximo da porta lateral, entrada dos atores, que dá para a Primeiro de Março. Um homem moreno, jovem, bigodinho, se aproxima da grade, protegendo-se do vento e puxa um cachimbo para acender. Me aproximo e pergunto quanto custa cada pedra. Dez reais, responde. E quanto tempo demora para a droga pegar? A Liga? Sim. Já deu, me responde, agora com a voz embargada. Quanto tempo dura essa liga? Meia hora. Isso quer dizer que depois desse período, será necessário batalhar por outra dose.
Quando chegamos àquele casarão datado de 1905, havia apenas prostitutas por ali, a maioria com mais de 40 anos, essas, com clientes certos, tiozinhos que recebem a aposentaria e vão em busca de sexo. Fizemos amizade. Em nosso primeiro espetáculo, ali, metade do elenco era formado por essas mulheres. Outras ações se desenvolveram. Então chegaram os drogaditos, com a terrível droga. É pasta de cocaína, sub produto, misturado a tudo o que não presta e vendido em pequenas quantidades, uma dose. Expulsaram a maioria das prostitutas e viciaram outras. Passam o dia por ali, saindo para pequenos furtos na Presidente Vargas. O crack vem das mais diversas formas, mas sobretudo por motoqueiros usando colete de mototaxistas e algumas figuras, que distribuem entre si, diminuindo a quantidade, as mulheres escondendo nas partes íntimas. A Polícia vai até lá, coloca todos com as mãos na parede, mas raras vezes tem êxito, não sei a razão. Um sábado desses, assisto a um dos programas da RBA e a reportagem acompanha a Polícia em um flagrante. Filmam uma mulher, magrinha, pequena, distribuindo. Ela é detida após um pequeno escândalo. O programa deve ter sido gravado na véspera ou antevéspera. Corro à janela, olho para baixo e lá está ela, lampeira, tranquila, distribuindo seu produto. Os policiais dizem que não é uma questão policial e sim, social. Realmente, sobra para a Polícia. Quando ela aparece, eles correm para a Praça da República, onde ficam achacando babás, crianças, namorados e atletas. Ou então às proximidades das Lojas Americanas. Na outra esquina da Primeiro de Março com Riachuelo, onde era o Bar Guanabara, funciona um PF, somente para o almoço. No horário, várias viaturas da Polícia estacionam para fazer refeição. Não dá para entender. Não, não temos problemas com os drogaditos. A palavra mágica é “Teatro”. Abrem os caminhos, pedem desculpas pela sujeira, no que são ajudados pela loja Gripon, que joga denso lixo, todos os dias, da maneira mais cretina possível. Nas noites de espetáculo, também não há risco para o público. Eles dão importância ao Teatro, provavelmente mais importância que dão a Prefeitura, o Governo do Estado. Agora, estão ocupando a Riachuelo, no primeiro quarteirão, laterais dos edifícios Renascença e Piedade, dois dos mais antigos da cidade. Passam os dias e noites deitados em velhos colchões, se arengando, esperando pela próxima liga. Moradores das redondezas já usaram de todos os argumentos para receber ajuda e nada. Eles parecem tão fortes quanto os ambulantes que infestam e degradam as ruas do antigo comércio. O que pode ser feito? É no centro da cidade.

Nos prédios, suas imprecações, palavrões, agressões, na disputa pela droga, são ouvidos claramente, a qualquer hora do dia e noite, sem descanso. E o IPTU é alto, bem alto. Bem, este é mais um grito que espera, desta vez, ser ouvido. Será que a Prefeitura se liga?

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