Sabe quando dois dormem em uma cama e, nos movimentos dos
corpos, se esbarram e se acordam? Acordaram. Um olhou para o outro. Esfregaram
os olhos. Quem é você? Eu é que pergunto. Quem é você? Eu também não te
conheço. Eu não te conheço, com certeza. O que é isso? Não sei. Como, então,
viemos parar aqui? Boa pergunta, não faço a menor idéia. Por favor, você me
empresta esse pedaço de lençol, porque estou nua. Eu também estou nu. Tem
certeza que não me conhece? Sei lá, alguma coisa aconteceu. Eu não te conheço.
Nunca te vi mais gordo, posso garantir. Não me lembro de ontem, ter feito algo
diferente. Será que botaram essas substancias.. Também não sei. Estou com dor
de cabeça, mas fique tranqüilo, eu não bebo. Mas então, que brincadeira de mau gosto..
Me dê licença, olhe para o outro lado, eu vou até o banheiro. Mas aqui não tem
banheiro. Deve haver, então, no corredor desta casa, deste apartamento. Eu não
sei onde estou. Nem eu. Levanta, cobre-se com o lençol. Minhas roupas. As
minhas também. Essas aqui, são roupas de mulher, mas não são minhas roupas.
Sim, eu também. Essas roupas não são minhas. Olhe para o outro lado. Vou me
vestir para ir ao banheiro. O engraçado é que servem exatamente. Isso aqui está
muito estranho. Que horas são? Estou sem relógio. Vou me vestir, também. Você
já olhou na janela. Eu não conheço nada. Por favor, venha olhar para ver se
reconhece este lugar. Olha. Será que estamos na... não, não é possível. Eu
também não sei onde estamos. É um prédio e esta janela é para os fundos. Mas
não sei de onde. Escute, você consegue lembrar o que estava fazendo, ontem à
noite? Bem, em primeiro, meu nome é Mário Sérgio. Sou gerente de um banco,
casado, duas filhas e ontem estava na festa de reveillon de um amigo. Deixa
ver.. recebi um telefonema de um amigo, Carlos, que não queria subir até a
festa e precisava me dar um abraço. É só o que me lembro. E você? Eu sou
Claudia, solteira, vendedora de perfumes a domicílio. A última coisa que me
lembro é de chegar em um bar e pedir uma cerveja enquanto esperava o Zé Maria,
um amigo. E aí, mais nada? Mais nada. Você vê, não há como imaginar como
possamos ter nos encontrado e acabar aqui, nesta cama, no primeiro dia de 2016,
nus e sem nunca nos termos visto antes. Meu Deus, o que vou dizer à minha mulher,
meus filhos, meus amigos. Sumir, assim.. A essa altura, o Zé Maria deve estar
me procurando até na Polícia. Sabe, a gente namorava, assim, de vez em quando.
Ele é muito ocupado. Eu, como sou sozinha e também não tenho ninguém em vista,
até gostava. Não tinha compromisso, sabe. Bem, vamos lá? Tropeça em algo. Você,
como é mesmo seu nome? Claudia. Olha aqui! É uma pessoa! Os pés. Debaixo da
cama. Toque, chame.. sei lá.. será que está morto? Não, acho que está
dormindo.. ainda respira.. Puxam o corpo. Ao mesmo tempo, exclamam: Carlos! Zé
Maria! Entreolham-se.. Mas como Carlos? E Zé Maria? Pra mim esse é o Carlos.
Não, senhor, este é o Zé Maria, posso dizer com certeza. Bata nele, faça-o
acordar, sei lá.. Batem no rosto, dão tapinhas. Empurram. Nada. E agora? Agora,
sei lá, talvez seja melhor avisar a família. Vai ver, é família dele. O Zé
Maria não tem família. O Carlos, não sei, nunca falou. É Zé Maria! É Carlos!
Ele nunca pareceu estranho? Nunca fez nada, assim, meio sem nexo? Será que ele
tem a ver com isso que aconteceu com a gente? Essa roupa, que não é minha, é
super cafona. E isso é hora de pensar em roupa? Imagina essa blusa, toda
colorida, horrível. Sentam na cama. Não sei o que fazer. Nem eu. Preciso sair
daqui. Escuta, afinal, esse seu Zé Maria, que pra mim é Carlos, o que é mesmo,
pra você? Me levava pro motel. Motel dos bons. E esse seu Carlos? O Carlos é um
namorado, meu.
quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
quinta-feira, 24 de dezembro de 2015
FELIZ NATAL, MAS NÃO ESQUEÇA O DONO DA FESTA
Dias
atrás, fui até a Casa Porto comprar refrigerante. Havia um freguês sendo
atendido, mais um homem alto e forte e comigo chegou um taxista, jovem, 30
anos, atarracado, que foi logo estendendo dinheiro e pedindo uma draft. O homem
alto disse, cortesmente, que estava na sua vez de ser atendido. O taxista disse
que o atendente é que decidiria isso. Ah, é? Pois vamos ver. Senti a tensão do
ambiente. O rapaz da Casa Porto serviu primeiro quem estava na vez. Quando se
retirou, o taxista resmungou, pegou sua draft e saiu cantando pneus. O que leva
uma pessoa a estar com a paciência assim, no limite? Bem, não faltam razões. E
eu preocupado com o Natal. Gosto do Natal. Gosto de Papai Noel. Minha lembrança
é de momentos maravilhosos com minha família, quando éramos todos crianças. Já
contei, aqui, do Papai Noel que descia no edifício Renascença e que passava de
apartamento em apartamento, indo até o terraço e jogando bombons para a
multidão. E que já chegava meio bêbado, pedindo whisky, levando meu irmão Edgar
a nos dizer que Papai Noel bebia e era amigo do papai. Também contei do
“Papafilas” que ganhei de Natal e troquei com meu amigo Cícero, por um caminhão
feito de lata de óleo de cozinha e tampas de refrigerante. Não tenho problemas
com o consumismo da época, tenho minhas tarefas natalinas, e espero a data com
alegria. Ouço Beatles. Os presentes, dou com alegria. Compro pensando naquele
que vai receber. E gosto de Papai Noel. A recordação é essa imagem linda, do bom
velhinho, bochechas rosadas, padrão europeu, mas com rosto bondoso e feliz.
Deixo de lado todas as outras intepretações, desde a idéia do Noel ser negro. É
outra discussão. A imagem é que está gravada na memória. Me faz bem pensar
nele. Mas há exageros como a decoração do shopping Boulevard, que inclui um
iglu, em meio a branco total de neve. Um iglu? Isso em contraposição ao calor
senegalesco que temos lá fora. Também não entro nessa de Saci Pererê e
precisamos lutar contra o sistema. Mas não forcem a barra, também. Lembro
também de uma crônica de Carlos Eduardo Novaes, sobre o almoço da família, no
dia 25. Em um quarto, as mulheres mostram umas às outras os vestidos ou mimos
recebidos, com graves queixas contra os maridos. No quarto das crianças, os adultos
disputam acirradas partidas de Fifa 2016, enquanto os moleques estão em um
canto, aplicados no what’s up. Fantástico. Publiquei no facebook um grafite que
penso ser de autoria do excelente Banksy, onde a imagem de Jesus Cristo,
crucificado, tem a pender, de cada braço, sacolas de compras. Grande idéia. É
bom festejar o Natal, dar presentes, confraternizar. Mas não podemos esquecer
do dono da festa. Sou cristão e duramente procuro seguir a filosofia desse cara
que, em uma época bem conturbada, com os judeus aguardando a chegada de um
grande herói e seus exércitos para expulsar os romanos e os levar de volta à
glória, receberam um homem, pescadores analfabetos e uma mensagem de paz,
mansidão e bondade. Pode nem ser a data verdadeira de seu nascimento. Na tv,
pesquisam se ainda está por ser descoberta a gruta onde nasceu. Mas para mim, a
cada 25 de dezembro, há um renascimento da minha fé, uma alegria por estar por
aqui e principalmente, ao lado de minha mãe, que me fez amar a data. A mensagem
do Cristo cabe em qualquer das religiões que hoje são motivo para brigas e
mortes absurdas. Hoje, adulto, sou eu quem compra presentes e vibro com os
olhos acesos das crianças. E quero estar, ainda, por muito tempo, sempre ao
lado da minha mãe querida, meu grande presente. Feliz Natal a todos.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
THE WALL - DOCUMENTÁRIO
Acabo
de assistir ao documentário “The Wall”, sobre o show de Roger Waters, que
percorreu quase o mundo inteiro e novamente fiquei extasiado. Assisti ao show
em São Paulo e renovei minha admiração. Nele, fiquei sentado muito próximo ao
palco, o que foi ótimo e também ruim, porque as grandes cenas, as grandes
projeções, não puderam por mim ser apreendidas totalmente, o que agora
consegui. Como novidade, a visita aos cemitérios onde estão o avô e o pai,
mortos na Primeira e Segunda Guerra Mundial. Há conversas interessantes, Roger,
filhos e netos juntos. Há cenas de bastidores onde se percebe o tamanho do
espetáculo, a precisão dos músicos, cenários, luzes, projeção, operação de
infláveis. E não há como não se emocionar. Talvez desse a vida para ser David
Kilminster, o guitarrista que do alto do Muro, contemplando aquele mar de
gente, sola belamente “Comfortably Numb”. A emoção é enorme. A plateia chora,
canta, grita, sente a guitarra. Daí para as lágrimas, um passo. Mas agora me
pergunto, o que é “The Wall”? Comprei em vinil o álbum duplo, com ilustrações
geniais de Gerald Scarf. Assisti ao filme dirigido por Alan Parker. Vi “Another
brick on the wall” chegar aos primeiros lugares das paradas. E também a briga
que acabou com a banda. A verdade, por mais dura, é que a cabeça de Roger
estava bem adiante e os companheiros não conseguiam acompanhar. Impaciente, foi
afastando os colegas. Músicos de estúdio gravaram muitos trechos. Havia, por
vezes, dois ou três estúdios gravando. E depois de tanta briga, o produtor Bob
Ezrin levou as fitas para casa, onde passou um final inteiro montando, digamos,
o setlist que escutamos. Há de tudo. Uma faixa diz “Fear builds walls”. O medo
constrói muros. Há crianças oprimidas por professores. O artista pop,
comandando uma multidão, com marchas militares, uniformes com símbolos, fazendo
um ditador. O poder do artista diante da massa. O sofrimento de quem, após
encantar as pessoas, fica sozinho em um quarto de hotel, sem ninguém para lhe
dar carinho, amor. As drogas. Você precisa acordar e ir para o palco. Há
milhares de pessoas esperando. Há a morte do pai de Roger, em Anzio, na Segunda
Guerra. Há o grito pelos que morreram em guerras absurdas. Até o brasileiro
Jean Charles é citado. Tem mamãe te protegendo de tudo, construindo um muro ao
redor do filho. A banda é formada por veteranos competentes. Mesmo
entusiasmados, nem chegam a suar. Tudo é feito de maneira eficiente. Roger, já
nos 70, comanda, canta várias, toca baixo, está em tudo. E há David Kilminster
e Snowy White, guitarristas maravilhosos, repetindo David Gilmour. Agora, fora
uns dois ou três discos solo sem grande destaque, o que fez Waters esses anos
todos? Uma ópera pouco divulgada.
E o
que faz David Gilmour, seu par no Pink Floyd? O guitarrista ocupou as páginas
das mais famosas publicações de música com seu disco novo, “Rattle that Lock”.
Fui ouvir e me decepcionei. Tudo bem tocado, a guitarra lendária está lá, mas
as músicas não passam de boas introduções, duas ou três canções mais ou menos e
pronto, acabou. Eles nunca vão concordar, mas a química que existia entre os
dois funcionava maravilhosamente. Gilmour ainda gravou sem Waters um disco do
Pink Floyd, apenas razoável. E seus discos solo são muito fracos. Milionários,
lendários, mas um, sem o outro, nada. E nós é que perdemos. São humanos. Lennon
& McCartney, somente para dar um exemplo. O dinheiro, stress, showbizz,
família, drogas, bebida. É difícil. Agora é tarde. Eles nunca vão voltar.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2015
O REI DA ROLETA
Sim,
eu já ganhei na loteria esportiva. Há muitos anos atrás. Como arrisquei somente
um palpite duplo, no valor de dois cruzeiros, muita gente ganhou, também. O
prêmio foi suficiente para comprar um carro, o que para mim, muito jovem, foi
ótimo. Ainda hoje, de vez em quando, deixo-me seduzir por prêmios acumulados na
mega sena e volto a arriscar, claro, sempre na aposta mínima. Meu pai conseguiu
incutir em mim e meus irmãos uma certa antipatia ao jogo. De baralho, cheguei a
jogar partidas inocentes de final de semana de férias em Mosqueiro. E só.
Apesar do jogo estar proibido desde ato do Presidente Dutra, ali na metade da
década de 1950, sempre se jogou muito no Brasil. Principalmente em Belém, onde
funcionam cassinos e de vez em quando a Polícia faz uma batida. Todo esse
“nariz de cera” para recomendar a vocês o livro “O Rei da Roleta – A incrível
vida de Joaquim Rolla”, lançado pela Casa da Palavra e escrito por João
Perdigão e Euler Corradi. Como quase sempre acontece, Rolla começou bem pobre,
como tropeiro em Minas Gerais. De conquista em conquista, inaugurou o lendário
Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, tendo como adversário o Sr. Bianchi, dono
do Cassino Atlântico, no Posto 6 de Copacabana, onde chegou a funcionar a Tv
Rio e atualmente um hotel de luxo. Na Urca, funcionou a Tv Tupi e agora, o
Instituto Europeu de Design. Empreendedor a vida inteira, semeou amizades com o
poder, sendo amigo da Primeira Dama, Alzira Vargas, realizando eventos
beneficentes. Seu cassino, além de receber toda a alta sociedade, apresentava
shows de inesquecíveis artistas nacionais como Grande Otelo, Aurora de
Oliveira, Francisco Alves e Carmen Miranda, entre outros. Houve também grandes
cartazes internacionais, que de passagem para a Argentina e Uruguai, paravam no
porto do Rio e eram levados para o Cassino. Abriu cassino em Araxá, Minas
Gerais, tendo sido muito amigo de Juscelino Kubitschek. Construiu o famoso
Quitandinha, mesmo já enfrentando a clara possibilidade da proibição do jogo no
Brasil. Muitos filmes da Atlântida, de chanchadas, foram gravados por lá. Carlos
Machado, que adiante seria o Rei da Noite, começou com ele. Carlos Lacerda
também, atuando como publicitário em uma de suas empresas. Dutra proibiu o
jogo. Foram tempos terríveis. Quando Vargas retornou, pensou que tudo voltaria
a ser como antes. Não foi. O mundo mudava, lentamente. Havia Brasília, Bossa
Nova, Brasil Campeão Mundial de Futebol. Havia, além de Lacerda, o Marechal
Lott, João Goulart, Jânio Quadros, Brizola e Juscelino. Joaquim Rolla cansou.
Os amigos chamaram para voltar a jogar peteca, em Copacabana. Desceu, jogou
como nunca, voltou para casa e sofreu um ataque cardíaco fulminante durante o
banho. O livro não chega a examinar se havia alguma influência de máfia, os
percentuais financeiros, qualquer possibilidade de ilegalidade nas atividades.
Até hoje, de vez em quando, o Congresso discute a volta do jogo no Brasil.
Vários empresários torce, com grandes espaços preparados para funcionar
imediatamente. Não tenho opinião formada. Há jogo em outros países vizinhos,
Europa e Estados Unidos onde, em diversos filmes e livros, a máfia está por
trás, sobretudo em Las Vegas, uma cidade para o jogo, construída em meio a um
deserto. Ser contra o jogo é ser contra o livre arbítrio de quem quiser
participar do “jogo de azar”? Ou porque há certeza de utilização do dinheiro em
coisa ilícita? Mas o Governo Federal é o maior patrocinador de jogos de azar,
como a Loteria, Mega Sena e uma série de outras possibilidades. Deixo a
discussão no ar. Mais que a história de Joaquim Rolla, o livro vale a pena por
revelar um Brasil maravilhoso, cheio de artistas inesquecíveis, que ficou para
trás.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2015
GUERRA DE PAPAGAIOS
Durante onze meses do ano, aquele juiz federal
temido, seríssimo em suas demandas judiciais, trabalhava quase quinze horas por
dia, incluindo finais de semana. A família, os amigos reclamavam, mas
compreendiam o acúmulo de serviço que tinha. A falta de um maior número de
juízes, os milhares de recursos, tudo era motivo para aumentar sua tarefa. Mas,
durante um mês apenas, ele trocava de vida. Em julho, tinha suas férias e ia
para Mosqueiro, onde sem camisa, bermudas, havaianas, óculos escuros e um boné
velho, entregava-se à prática de empinar papagaios. Na área, também era
conhecido. O “tio do Gasgo”, como era chamado, não por ter qualquer sobrinho
chamado Gasgo, mas por uma habilidade específica, em cortar os papagaios
adversários “no gasgo”, ou seja, na “garganta”, digamos assim. Para isso, sua
atividade começava bem cedo. Ele próprio construía seus papagaios, comprando
papel de seda, tala, cola e utilizando sua grande experiência. Seu segredo
estava, também, no cerol, mistura não revelada, mas que continha vidro
esfarinhado e que servia, justamente, para “cortar” os outros papagaios. O juiz
orgulhava-se de, há muito, não perder um único papagaio e dava-se ao luxo de
utilizar um novo a cada dia, por mero capricho, tendo, também, uma sala em sua
casa, onde pregava na parede os papagaios com maior pontuação, ou seja,
adversários cortados.
Julho começou e lá estava o juiz saindo, solenemente, como
se vestisse uma toga especial, à base de bermuda, chinela e boné, para sua
atividade. Que os adversários tremessem. Bem, quase todos não tinham mais de
quinze anos. Alguns prendiam, outros, treinavam o ano todo para derrota-lo.
Outros, já passados da idade, sentavam para assistir e torcer contra, claro. O
juiz adorava vencer. Não satisfeito, os mais bonitos, os que davam mais
trabalho, saía correndo, deixando com um auxiliar o seu papagaio, “no treme”, e
ia conquistar o papagaio que chinara. Com treinamento diário, na esteira, feito
todos os dias, bem cedo, enquanto lia processos, levava vantagem sobre os
garotos e com a altura, ganhava as disputas. Nesse dia, colocou o seu no ar e
logo chegou próximo um garoto de uns nove anos. Ficou ali, olhando, sem dizer
nada. Aos poucos, começou a fazer comentários. Por enquanto, estava fácil, mas
o garoto dizia, olha o vento, foge pra cá, não vai conseguir dar no gasgo, dá
cabeça, dá cabeça, ih.. O juiz foi se aborrecendo. Acabou por dizer que o
garoto devia ir dar técnica para os outros, que ele estava cortando tão
facilmente. O garoto, imperturbável, disse que ia era buscar o seu próprio
papagaio em casa. Contente com este súbito adversário, o juiz o animou, dizendo
que o dia estava, mesmo, muito monótono. E o garoto voltou. E colocou no ar.
Começou um duelo que parou a praia. Claro, toda a torcida era para o menino,
não somente por ser tão criança, mas diante do grande e imbatível campeão.
Parecia ser um golpe de sorte, ou falta de atenção que acomete, às vezes, os
grandes campeões, mas quando tentou a manobra para dar no gasgo e humilhar, o
juiz foi cortado. Simples. Foi um oh! Toda a praia em silencio. Depois, palmas.
O juiz nem se moveu. Controlado, fez um aceno para o garoto, como quem diz ter
sido sorte e pediu para esperar. Ia buscar outro papagaio. Quando chegou em
casa a mulher estranhou, fez algum comentário mas ele não respondeu. Saiu com
outro papagaio. Foi cortado. Dessa vez, no gasgo. Salva de palmas. Tranqüilo,
voltou novamente com novo papagaio. Agora foi cortado e aparado. Agüentou
firme. Quando retornou, já babando de ódio, sem controle de suas habilidades,
deparou-se com uma curica. Sim, o garoto agora empinava uma curica. Era demais.
Uma curica, não. Queria desqualificar o oponente. Gritar que era gozação.
Pensou em suas atribuições como juiz federal. Não, melhor era cortar, não no
gasto, mas cortar, aparar e trazer até si a presa, para mostrar quem era, de
verdade, o rei dos papagaios. Desta vez a disputa foi renhida, com muitos
momentos de emoção, que a praia respondia, tal torcida de RexPa. Acabaram
emaranhados. O papagaio e a curica, chinando, emaranhados. Não teve dúvida.
Saiu correndo atrás. O garoto também. Agora, a praia assistia aquele duelo.
Entraram na água, afastando criancinhas que brincavam no raso. Ao mesmo tempo,
seguraram os papagaios. Não largavam. Se engalfinharam, ele, com o cuidado de
não usar mais força física que devia, claro. Banhistas resolveram intervir.
Acabaram na delegacia. Eu sou juiz federal, tenho imunidade! Foi somente quando
bradou sua autoridade que deu-se conta do ridículo. Pediu desculpas a todos,
sobretudo ao menino e saiu. Pediu revanche para o dia seguinte. Ia botar uma
rabiola sensacional no ar.
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
O TECNOBREGA É O SOM DO PARÁ
Trabalho
desde a adolescência com música e rádio. Escrevi durante quinze anos uma coluna
em A Província do Pará. Aprendi, duramente, que lugar para ouvir música de sua
preferencia é em casa. Em uma rádio, prestamos um serviço. Tocamos o que as
pessoas querem ouvir, conforme for o perfil de audiência desejado. Comecei em
AM, fundei uma em OT e duas em FM. Acompanhei o boom do rock nacional e depois
do que se chamou de brega, em uma mistura bem feita de bolero e jovem guarda
que coroou como reis a dupla Sullivan e Massadas. Então veio a Axé Music, que
admiro como processo musical maravilhoso, comercial e cultural, que invadiu o
Brasil. Não gosto das músicas, muito menos das letras, mas admiro o processo.
Então vieram os sertanejos e ocuparam a cena. É reflexo de muitos fatores,
principalmente a falta de Cultura e Educação. A linguagem apodreceu, as letras
são onomatopaicas e a melodia, pior ainda. Paciência. E a música popular
brasileira de Chico, Caetano e Milton, por exemplo? Eles envelheceram e nessa
linha, os dois últimos grandes discos pertencem a Marcelo D2 e seus “À procura
da batida perfeita”, o de estúdio e o Unplugged da MTV. Uma perfeita mistura de
música pop, rap e samba. Infelizmente, depois, ele voltou ao rap e ao comum.
E
então pensei na música ouvida em Belém. Quando comecei em AM, via e ouvia
Haroldo Caraciollo mandando tocar lambada, com nomes criados por ele mesmo, por
não entender os títulos em francês dos merengues vindos de Caiena e Caribe.
Havia também os bolerões de Edna Fagundes, com letras desesperadas de amor.
Depois o que se chamou de brega, com esses boleros adotando acompanhamento de
instrumentos da Jovem Guarda, como guitarras e órgão. As letras continuaram
desesperadas, mas as melodias e a batida, conquistaram a nova geração.
Começamos a ter duas culturas musicais. A desse brega, ouvido e dançado nas
festas de aparelhagem e compositores como Paulo André e Rui Barata, Vital Lima,
Nilson Chaves, Pedrinho Cavalero e outros, muitos outros, cantando em bares frequentados
pela classe média e tendo sucesso. Mais uma vez, o tempo passou, para os dois
lados da questão. A turma que fazia um som mais cabeça, continuou na mesma
toada. Também seus novos representantes, repetindo um som que envelheceu. Pelo
menos é o que verifico, com exceções, nos festivais de música que acontecem.
Agora, no outro lado, uma revolução. Sem mercado, os jovens do brega criaram um
mercado informal, com cds piratas. Pesquisando programas de computador,
descobriram novo som, com parentesco do brega antigo, letras e músicas tão
ruins quanto, mas um novo som. Passe nas barracas de camelôs. Tocam o
tecnobrega. Observe as demais pessoas que caminham. Vão cantarolando as
músicas. Disco não tem mais serventia. Importante é o show. A nova geração do
outro lado, que devia prestar atenção a esse fenômeno, continuou ignorando,
fazendo beicinho, e perdeu a parada. Há exceções, claro. Não ouvi, mas penso
que Felix Robatto, pela aparência, trabalha a guitarrada na direção do rock,
mais pesada. Se não, prefiro os mestres. E os outros? Porque não pegam a
batida, os sons e replicam com letras e músicas melhores? Porque não há bandas
de heavy metal trabalhando o carimbó com batida mais lenta e pesada? Há
cantoras novas flertando, apenas, mas não dedicadas. Nem compositores. É uma
onda fantástica e com futuro garantido. Até Arnaldo Antunes já fez o seu. O
tempo passa e eles perderam o bonde.
terça-feira, 24 de novembro de 2015
FELIZ!
Quando estou feliz, toco Beatles
para festejar. Específicamente, um disco que na época, com gravações juntadas
criminosamente no Brasil, se chamou “Beatles 65”. Eu tinha onze anos de idade e
era agosto. Chegamos das férias escolares em Mosqueiro e no nosso quarto, sobre
a cama do Edgar Augusto, estava o vinil. Por algum motive, aquele conjunto de
músicas firmou a sensação de felicidade. Também ouço nos primeiros dias
cinzentos de dezembro, como uma antecipação do natal. Ouço e lembro dos dias
felizes em que, nas férias grandes, ficávamos jogados no salão do apartamento
do Renascença, sem nada para fazer, ouvindo música.
Estou feliz porque meu livro
novo, “Pssica”, é finalista na categoria “Romance”, ao prêmio da Associação
Paulista de Críticos de Arte, uma das premiações mais importantes do Brasil.
Feliz porque afinal, consegui repercussão nacional do meu trabalho. Sobretudo
feliz, porque nada fiz pensando em prêmios, quem sabe um pouquinho em
repercussão. Afinal, ninguém escreve e publica para não ser lido. Escrevo para
ser feliz. Escrevo porque gosto de criar histórias, personagens. Durante o
tempo em que escrevo, sou o mais feliz de todos. Me enamoro pelo trabalho.
Escrevo em um horário e após, fico pensando no que virá depois. Encontrei uma
Editora que me compreende, gosta de mim e apostou durante vários anos.
Encontrei na França outra Editora que pensa o mesmo. E agora se prepara para lançar,
ano que vem, “Pssica”, por lá. E então serao quatro livros traduzidos! E mais
os dois primeiros no format de livro de bolso.
Estar entre os quatro finalistas
é uma honra. Gente de peso. Eu e Alberto Maluf, bem jovem, que me encontrou na
Balada Literária e me deu seu livro, somos os azarões. Podemos ganhar,
meramente por fazer parte dos finalistas. Mary Del Priore e o grande Raimundo
Carrero é que disputam. Mas sair do Pará, onde há mais de vinte anos não há
qualquer política cultural de incentive à Literatura e chegar onde cheguei, é motivo
de alegria. De felicidade. E depois, é Belém no noticiário. Belém, minha casa,
meu chão, com todos os seus problemas e personagens maravilhosos. Agora ouço
Beatles, cantarolo, faço segunda voz nas canções, conheço a sequencia. Estou
feliz. “I’m so happy when you dance with me”!
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