sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O CARNAVAL DO JÁ TEVE

“Acabou nosso carnaval, ninguém ouve cantar canções, ninguém passa mais, cantando feliz...”. Cito a maravilhosa “Marcha da Quarta Feira de Cinzas”, de Carlos Lyra, para chorar o fim do nosso carnaval. Hoje é sexta feira gorda e na verdade, instala-se na cidade, até a quinta feira, um sentimento de tristeza, solidão, abandono. Enquanto as ruas do Recife, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, para citar as mais animadas, estão lotadas de gente cantando feliz, as ruas de Belém estão desertas. É o carnaval do já teve. Ainda passam, aqui e ali, pequenos grupos batendo lata. Só. Posso falar. Criança, tendo de dormir cedo, ainda via, circulando pela Riachuelo, o pessoal dos Boêmios da Campina em seus ternos vermelhos, calça e sapatos brancos. E por chamado de meu irmão Edgar, eu e meu pai fizemos sambas de enredo e desfilamos pelo Quem São Eles. As rodas de samba eram lotadas. Gente do povo e, principalmente, da classe média, descobrindo o carnaval. Belém teve samba porque, cidade portuária, tinha sempre tripulações de navios ancorados no carnaval, que vinham para a zona brincar. Chegaram a dizer que era o segundo melhor carnaval do Brasil. Balela. Acabou. Houve também blocos. Jovem, saí em um dos mais famosos, o Bandalheira. Aos domingos, desde janeiro, a Praça da República lotava com blocos desfilando. Blocos de bairros, de ruas, reunião de amigos. Acabaram os blocos. E os clubes? Em toda a cidade, as festas eram lotadas. Jovens e adultos. Formavam blocos. Havia desfile de fantasias mais bonitas. Até o Sol Raiar, “Baile das Máscaras”, o baile do Clube do Remo, AABB, Tuna. Namoros de carnaval, alguns duraram para sempre. Onde estão? Sobrevive o Baile dos Artistas onde, mais do que artistas, encontramos foliões saudosos, de fantasia, lindos vivendo seu momento. Onde estão, então, os foliões que lotavam as micaretas com músicas baianas? Onde estão? O desfile das Escolas de Samba aconteceu na semana passada. Como assim? Alguns grupos têm se juntado em blocos para desfilar nas ruas da Cidade Velha. Poucos, muito poucos, comparado ao movimento de antes. Onde foi parar nossa alegria? O carnaval era uma maneira de extravasar. De juntar os amigos. As famílias. Bairros. Ruas. Lamento informar, já teve. Reina, a partir de hoje, uma grande tristeza. As ruas, os salões, choram a ausência daquela turba cantando em pleno século XXI marchinhas como “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é”. E não se enganem, o número de pessoas que sai da cidade para descansar nas praias, até para brincar em cidades do interior, é ínfimo em comparação com aqueles que ficam, trancados em casa. Querem assistir ao desfile das escolas do Rio de Janeiro, hoje, um programa de tv que não anima a mais ninguém. E qual a razão de ficar em casa? Parece que a própria cidade ficou triste. Os problemas do dia a dia. Dançar e pular para quê? Perdemos a inocência, a vontade de soltar o corpo no ar e cantar a plenos pulmões. Abandonamos a cidade, abandonamos o carnaval em troca de quê? Uma comunidade que não festeja suas datas e ao inverso, pula carnaval nas três horas de agonia da Sexta Feira Santa. Que vibra com os feriados, sem tomar conhecimento de seu significado, apenas por ter sua folga. Individualidade ao invés de grupo, rua, bairro, vizinho, que não respiram mais. Desconhecidos que moram parede com parede. Meu pierrô, rôto, empoeirado, me olha de soslaio, desconsolado. Sim, hoje, Sexta Feira Gorda, para a cidade, é Quarta Feira de Cinzas.

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