segunda-feira, 13 de abril de 2015

ESCAPAR DE BELÉM?

“Belém minha terra, minha casa, meu chão”, escreveu Adalcinda e serve para mim. Ao longo da vida tive chances de partir, mas por diversos motivos, fiquei. Todo meu trabalho na Literatura e Teatro fala desta cidade. Estou chegando de uma viagem internacional motivada pelo lançamento de três livros traduzidos para o francês, a partir de “Os Éguas”, meu primeiro romance, que lá, por falta de melhor tradução para o título, saiu como “Belém”. E lá está a “Cidade Morena”, de Edgar Proença, descrita e sendo personagem.

Minha amiga Rejane Barros escreveu em sua famosa coluna que a incomoda quem chega de viagem e passa a comparar Belém com as cidades visitadas. Mas Cora Rónai, em O Globo, também viajou e na volta, escreveu “Basta sair um dia para perceber como nossa vida está deteriorada”. Sim, o contraste é cada vez mais brutal. Voltei encantado com Lyon. Além de trabalhar muito no Festival que me levou até lá, tive um dia de folga para passear e conhecer seus lugares, um anfiteatro romano, construções, museus, igrejas, dois rios que a cortam e um lado totalmente moderno, com belos edifícios. Tudo parece estar pronto e no entanto, aqui e ali, há pequenos reparos sendo feitos. A cidade recebe uma torrente de atividades culturais e esportivas. Não é o paraíso, mas talvez, um sonho feliz de cidade. O Quais de Polar, festival do qual participei, trouxe mais de trinta autores do mundo todo, especializados em Literatura Policial. Grandes mesas de debates em diversos locais, desde uma igreja em reforma, transformada em auditório, até a casa das leis, um verdadeiro palácio com maravilhas para onde se olhava. No anfiteatro romano, nos próximos dias, com a chegada da primavera, shows com alguns dos maiores artistas do mundo estão marcados. Avenidas largas, asfalto e meio fio perfeitos, ônibus silenciosos e em velocidade tranquila, combinando com ônibus elétricos. Nas ruas, as pessoas não parecem ter essa pressa louca que temos aqui, muito menos estão apavoradas, vendo em cada transeunte um assaltante. Incrível, para mim, os postos de bancos 24 horas são ao ar livre, sem qualquer proteção. Viajei no metrô de Lyon, tranquilo, mesmo em horários de pico. Muitos, crianças, adultos e idosos, trafegando de patinete! Isso, patinete! Muitos outros, bicicletas. Fui a uma festa promovida pela minha editora francesa de livros de bolso, Points, em um pequeno navio, ancorado junto a vários outros. Foi transformado em uma casa noturna, com pista de danças e tudo. Eles dizem que é para poderem fazer barulho e não incomodar os que preferem o silêncio. No festival, veio um rapaz, brasileiro. Mora há dez anos em Lyon. Não pretende voltar. Aqui há qualidade de vida. Mesmo as pessoas mais pobres, que moram, digamos, na periferia, moram confortavelmente. Logo na chegada a Belém, o choque das casas próximas ao aeroporto. As buzinas. O trânsito feroz. O risco do crime rondando. A vontade de escapar. Para quem faz Cultura, hoje, não há porvir. Não há saída. Não há como sobreviver, dar de comer à família. Como deixamos nossa Belém ficar assim? Zenaldo diz ser contra o aumento para 2% do orçamento para a Cultura. Parece piada. E é. Há certos momentos em que eu também penso em escapar. Será muito tarde para mim? Lyon é uma possibilidade..

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