sexta-feira, 3 de julho de 2015

O FOSSO

A extensa cobertura jornalística sobre o falecimento do cantor sertanejo Cristiano Araújo abriu discussão nas mídias sociais, pela surpresa de muitas pessoas que nunca tinham ouvido falar nele. Seus fãs reagiram indignados e já li que até música inédita, que alguém teria ouvido em gravação caseira já foi descoberta e deverá ser lançada com estardalhaço. Confesso, nunca tinha ouvido falar. Achei, até, que fosse uma dupla, Cristiano e Araújo. Passei a vida tendo a companhia da música, por conta de meu trabalho. Mesmo em épocas terríveis, como do brega de Sullivan e Massadas, mais os baianos infernais, deixei de saber quem eram as figuras. Mas compreendo, ainda que desolado. O fosso sempre existiu. Quando comecei a trabalhar, no comecinho dos anos 70, aqui em Belém, ouvíamos Caetano, Chico, Paulinho da Viola, mas o povão preferia Amado Batista, Waldick Soriano, e feras locais como Edna Fagundes, que cantava inclusive no arraial do Círio. A influência da Jovem Guarda foi extrema, como também a dos boleros e merengues, fazendo surgir, aqui, esse brega de expressão cultural feroz. Vieram rock brasileiro, bregas, baianos e finalmente, sertanejos. Com a queda brutal do nível da Educação e Cultura nacionais, os poderosos da indústria fonográfica, abriram apostas naquelas duplas chorosas, acrescentando instrumental pop e explodindo nas paradas. Os prêmios nacionais de música estão infestados. De outra forma, perderiam a razão de ser. Jornalistas que trabalham para revistas dedicadas à Música, sofrem. O que colocar na capa da Rolling Stone nacional? O que escrever nas seções de discos dos jornais? Parece cruel, mas à medida em que vem o conhecimento, a Educação, a Cultura, vamos nos distanciando do gosto da maioria. Como elogiar discos de duplas como Matogrosso e Sorocaba, Dan e Daniel, sei lá que mais? As músicas correm atrás de um refrão que muitas vezes é onomatopaico. As vozes chorosas, cantores gordos, enfiados em calças de couro apertadíssimas, com as banhas sobrando como biscoitos recheados. E chapéus de couro, cintos largos, camisas quadriculadas, emulando não o sertão brasileiro, mas o country americano. E tem a sanfona, meu Deus, que belo instrumento nas mãos de Dominguinhos, Gonzagão e agora, onipresentes. E vamos trazer a situação para Belém, nossa cidade, que vê aproximar seus 400 “dAnos”. Os mais alternativos vão em pequenos grupos assistir Tulipas Raiz, que não apresentam nada novo. Vejo uma casa noturna, lotada, no estacionamento, luxuosos carros importados, um maior que o outro e lá dentro, todos cantam em coro músicas breganejas, corrente agora chamada “sertanejo universitário”. Pior, muito pior, a grande, extrema, quase totalidade das pessoas, ouve, mesmo, brega paraense. Um mercado totalmente independente, com artistas e músicas circulando em mídias piratas, agora com viés eletrônico. Tanto o sertanejo quanto o brega, são gritos pedindo socorro. É o desespero dos que não têm emprego ou razão para viver. Falta Educação. Falta Cultura. Jovens querem gritar sua verdade. Compram programas de computador. Não sabem falar inglês mas inventam e fazem música de sucesso. Cantoras em rotação acelerada, voz gasguita, pedindo socorro. Pedem por amor, pedem por vida. Há um fosso entre o que nós, jornalistas, que já nem temos novos ídolos, gostamos de ouvir e o gosto do povo. E Cristiano Araújo, quem foi, afinal?

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