sexta-feira, 28 de agosto de 2015

MÁRTIRES DO SUCESSO

Estava ouvindo mais jazz do que outra coisa. Tinha até um programa, “Jazzmania”. Meu filho mais velho voltou de uma viagem e me apresentou Nirvana. Voltei ao rock and roll. O som pesado, com riffs, refrão melodioso e a voz de Kurt Cobain. Poucos discos depois, o suicídio. Da banda, apenas Dave Ghrol seguiu e faz muito sucesso. Christ Novoselic revelou-se apenas um baixista normal, chegou a gravar disco solo e parou. Acabo de assistir “Montage of Heck”, documentário sobre a vida de Kurt Cobain, recheado de imagens inéditas, gravações e detalhes que afinal explicam os acontecimentos. Ele seguiu outros grandes artistas como Jimi Hendrix, Jim Morrison e Janis Joplin, falecendo aos 27 anos. Foi uma pessoa cheia de problemas, o principal deles, o sentimento de rejeição. Os pais separaram e ele passou a infância e adolescência de uma casa para outra. O rock foi uma bela válvula de escape. Era um grupo underground e de repente, um estouro mundial, multidões nos shows, vendas milionárias e principalmente, um holofote sobre sua vida. Penso sobre a razão de ninguém, com um mínimo de responsabilidade, ter interferido no que parecia um caminho direto para a morte, a libertação dos problemas. Penso que se o sucesso não tivesse acontecido, ele poderia conviver melhor com suas deficiências. Mas temos fome. Queremos devorar os artistas. Mergulhar no seu íntimo. Encarcera-los à vista do mundo. Eram jovens, porra loucas como muitos jovens sem a presença da família, pobres que viraram milionários. A mulher, Courtney Love. Kurt sentia dores terríveis no estomago. Veio o vício da heroína. Veio a filha, Frances. Boatos de drogas na gravidez fizeram com que perdessem a guarda da menina. As letras das músicas eram gritos pedindo socorro. Ao invés de repeti-las com enfado a cada show, serviam como um desabafo. Se o público soubesse o que estava em jogo! Ninguém parece ter se aproximado para cuidar desse rapaz, brilhante, bonito e suicida. Que pena. Transformou-se em um mártir do sucesso.
O mesmo caso, por outras razões, é Nina Simone. Assisti a “What happened Miss Simone”. Sofreu com o racismo. Venceu como pianista e cantora de jazz. Mas vieram os protestos, Martin Luther King, a luta pelos direitos dos negros e ela engajou-se. Anos 60. Mudou o repertório. Ficou séria. O marido, seu empresário, a explorava e não gostou da mudança do repertório. Dava-lhe surras. Ela tinha medo dele. Também tinha uma filha. Teve um colapso psicológico. Parecia sempre aborrecida, séria demais. Naquele tempo, eu era muito novo para compreender. Seu rosto fechado, as músicas, não me atraíram. Resolveu morar na Libéria, sozinha. Fez muitas ações beneficentes. O dinheiro acabou. Os alemães a receberam e ela voltou a cantar para grandes plateias. Mas ninguém foi ouvir a mulher. A pessoa. Suas carências. A revolta contra a sociedade. Morreu pouco depois. Muito cedo.

Os mártires do sucesso. São devorados. Gente jovem, pobre, problemas familiares, mas com imenso talento. A mídia, nós, os devoramos. Ofertas de todos os lados os deixam tontos. Amores pagos, drogas pesadas, vontades realizadas e muito trabalho. Dia e noite e a pressão por dar sempre tudo de si. E quando morrem, ainda queremos comprar gravações deixadas, aquilo que não queriam que ninguém ouvisse. Morreram e continuamos querendo mais. Os mártires do sucesso.

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