sexta-feira, 17 de junho de 2016

A NOITE DO MEU BEM

Meu pai adoraria ler “A noite do meu bem”, editora Companhia das Letras, escrito por Ruy Castro. Teve seu conjunto, inspirado no Bando da Lua e 4 Ases e 1 Coringa. Apaixonou-se por Francisco Alves e Silvio Caldas. Mas o estilo que mais lhe marcou foi o samba canção, que vicejou nos anos 50, no Rio de Janeiro. Conhecia todas as músicas e através dele, fez com que nós, os filhos, também soubéssemos. Seus novos ídolos eram Tito Madi, Dick Farney, Nelson Gonçalves, Elizeth Cardoso, Jamelão e principalmente Lucio Alves. É terrível que nos dias em que vivemos, ninguém mais cante esse repertório notável. Caetano, Gil, Chico, Bethania e Gal ensinaram à toda geração que veio nos anos 60 e 70, essas músicas. Quanto aos artistas de hoje, parece que nada existiu antes de aparecerem com esses arremedos de música que tocam nas rádios e festas de agora.

O livro é primoroso porque traça todo o panorama da então capital do Brasil, Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, não apenas musicalmente, mas com vários outros aspectos, inclusive políticos, com os detalhes que envolveram a morte de Getúlio e a chegada de Juscelino. O samba canção, aos poucos, no começo dos anos 50, foi chegando e tornando um tanto mais leve as músicas de então, valsas, polcas, com suas letras trágicas. Havia uma batida de samba mansa, que chegou primeiro às rádios que reinavam absolutas e aos cassinos da cidade. Vieram Angela Maria, Aracy de Almeida, Cauby Peixoto (tendo a roupa rasgada pelas fãs, tudo previamente combinado e as roupas com costuras fracas), Dorival Caymmi com seu charme e vozeirão, Ary Barroso e seu programa de calouros, Herivelto Martins e seu casamento feroz com Dalva de Oliveira. Quando os cassinos foram fechados por Dutra, um enorme número de profissionais foi despedido. Foi então que surgiram os nightclubs que infestaram Copacabana. Casas para 150 pessoas, no máximo, com grupos musicais e grandes cantores fazendo várias entradas. As pessoas iam de uma para outra casa, até o sol raiar. O samba canção baseava suas ações dramáticas na relação homem e mulher. Algumas letras muito trágicas, mas já à frente do que havia antes. Há capítulos especiais para personagens como a fabulosa Dolores Duran, que apesar de problemas cardíacos, era workaholic, bebia e se injetava drogas como se não houvesse amanhã. Um dia, após chegar umas nove da manhã, despediu-se da filha, deitou e não acordou mais. Outro foi Antonio Maria, compositor, jornalista, polemista, sempre às turras com Fernando Lobo (pai de Edu), e que apesar de gordo e feio, fez Danuza Leão apaixonar-se e deixar Samuel Weiner, dono da Última Hora. E não somente música, mas colunistas sociais como Jacinto de Thormes e Ibrahim Sued, Stanislaw Ponte Preta, magnífico, outro que morreu cedo por excesso de tudo, Carlinhos e Jorginho Guinle com suas mulheres estrangeiras duelando pelo brilho na noite. Casas como Vogue, Sacha’s, Night and Day, Golden Room (Copacabana Palace) e tantas outras. Tom Jobim no começo de carreira, tocando piano, conhecendo Vinícius e a partir daí, iniciando a bossa nova a partir do disco “Canção do Amor Demais”, de Elizeth, já com João Gilberto ao violão. Chegou a televisão, Brasília foi fundada, mandando para o planalto muitos dos frequentadores da noite e foi chegando também a moda de boates, com música mecânica. Os artistas foram envelhecendo e surgindo a bossa nova. Puxa, como era bom! Um livro para ler cantando verdadeiros hinos da mpb, cantores inesquecíveis, figuras notáveis de uma época feliz. E Ruy Castro com todo seu talento e facilidade de expressão. Uma beleza.

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