Sei que me repito, mas não há o
que fazer. Desejo um bom Círio a todos. Meu pai, que adorava, escreveu uma
música “Belém está tão bonita, é o Círio que chegou, vejo carros, vejo gente,
gente que não sei quem é”. O centro fica cheio. A “santinha” já passou na casa
da minha mãe e também na Casa Cuíra. As arquibancadas já estão instaladas na
Praça da República. Há comitê de recepção no aeroporto. Apesar dos esforços de
Fafá de Belém, a maioria dos turistas é de paraenses que voltam à terrinha para
matar as saudades. A programação é extensa. Há a procissão que leva Nossa
Senhora em longo percurso a Icoaraci de onde sai na manhã de sábado até a
escadinha do cais do porto. E então o ronco insuportável de milhares de
motocicletas até a Basílica. Enquanto isso, uma turma sai no Cordão do Peixe
Boi até a Praça do Carmo. A cidade finalmente mergulha em um frenesi. Há quem
acompanhe a Trasladação. Outros visitam casas de amigos. O Roxy Bar fecha
somente pela manhã de domingo. A Festa da Chiquita começa enquanto os foguetes
dos estivadores iluminam o céu. Até que ela chegue à Sé, dando a volta na Praça,
já temos quase meia noite. Nova espera. Romeiros chegam cedo para pegar lugar
na corda. Lá vem ela. Aqui em Belém ou é a chuva, ou é Nazica. Moro no percurso
do Círio. Nunca perdi um. Os foguetes voltam a explodir no Boulevard Castilhos
França e todos acordamos mal dormidos, às pressas, visitas tocando na campainha
e surgimos assim, meio assustados ao sol da manhã. A rua já está apinhada. Já
passaram quantos carros? Procura na app pra saber onde Ela está. Experimentam
salgados. Quando meu pai era vivo, bebida somente após a passagem Dela. Vem a
corda. Gostava mais antes com dois lados. Paciência. É um chicote elétrico que
vem sinuoso, como se cada movimento dependesse de muitos cálculos. Jovens e
velhos. Homens e mulheres. Não acredito em promessas pagas com sofrimento. Não
penso que Deus deseje nosso sofrimento. Enfim. Antigamente, autoridades
desfilavam dentro da corda, acenando. Recebiam vaias, também. Os padres,
derretendo no calor de seus paramentos vistosos. Lá está, finalmente. Pára em
frente ao prédio. Olho em volta e não há espaço para ninguém. Mar de gente. A
berlinda brilha como uma pilha, recebendo e devolvendo energia. É tão intenso
que fico zonzo. Abraço os meus. Peço. Agradeço. O tempo literalmente para
naquele instante. Sol a pino. Penso às vezes se os terraços, lotados, não
correm risco de desabar. Ela não deixaria. Há um silêncio ensurdecedor, diria.
Energia contra energia. E enfim ela se vai. Acompanhamos até sumir na cobertura
das mangueiras. E então vem o grosso do povo. Vários minutos e minutos passando
gente. Equipes da Cruz Vermelha, formadas por rapazes e moças abrem caminho na
multidão. Um repórter de rádio, ao invés de transmitir a passagem da Santa,
chora copiosamente, de emoção. Nos entreolhamos. Estamos todos com rostos
inchados de choro e emoção. Voltamos a nos abraçar. Batemos palmas. Alguns,
liberados, correm para as bebidas. Antigamente, meu pai trazia o violão.
Convidados, artistas, todos cantávamos até a fome apertar. Vem o almoço do
Círio, uma pequena sesta e lá se ia meu pai trabalhar no campo de futebol que
tinha Remo e Paysandu. Hoje ele não está conosco, embora em pensamento. Sim,
ele está lá. Um beijo, meu pai. Feliz Círio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário