sexta-feira, 26 de maio de 2017

A MÚSICA EM NOSSA VIDA

Escuto música no carro. Trabalho em rádio há muitos anos e durante o dia, ouço a emissora o tempo todo. Em casa, há outras atrações nos livros e televisão, além da família, claro. Mais novo, peguei o tempo dos cartridges que tocavam músicas nos veículos. Mais tarde, vieram os cassetes. Bem, estou começando, somente agora, a ouvir, no carro, a partir de um pen drive. É diferente de tudo. Estou tentando me adaptar, sou de outro tempo. Cresci em um lar musical, por conta de meus pais. Adiante, meu irmão mais velho ganhou da avó uma eletrola, portátil, funcionando por corda, que tocava 78 rpm. Havia discos diversos. Não esqueço de Dorival Caymmi, em forma, cantando “Dora”, em um arranjo que nunca mais ouvi, onde a abertura e encerramento, maravilhosa, era com metais de frevo. Havia também uma ária de “O Barbeiro de Sevilha”. Pedro Vargas cantando “Farolito”. Adiante, o Edgar ganhou um prato, pequeno, que funcionava acoplado a um rádio para aproveitar o amplificador. Meu primo Tom, que morava nos Estados Unidos, veio passar férias. Ao ir embora, deixou-nos uns 50 compactos da parada americana. Para os que nasceram há pouco, eram vinis pequenos, onde cabia apenas uma música de três minutos. Verdadeiras jóias. Nat King Cole, Pat Boone, Elvis Presley, todos em grande forma. Os disquinhos tinham um buraco no meio. Havia uma briga entre gravadoras pelo padrão em 33 rpm. Para tocar, era necessário um adaptador. Uma verdadeira mina de ouro para garotos que se interessavam por música. E então, de repente, os Beatles invadiram nossa vida. Com eles, Rolling Stones, Hollies, Animals, you name it. Anos 60, com a Jovem Guarda, Roberto, Erasmo, Wanderléa, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani e companhia. A bossa nova era algo chic, sério, para um determinado número de pessoas. Os Festivais da Record e toda uma geração maravilhosa que apronta até hoje. Caetano, Gil, Gal, Bethania, Milton, Chico, vocês sabem. Ganhei uma eletrola portátil. Gigantesca. Funcionava com oito pilhas grandes. Um dia meu irmão chegou com um disco de um tal Jimi Hendrix e botou para tocar em outra eletrola, agora portátil, mas com duas caixas pequenas de som. Meu mundo mudou. A vida era diferente. Os discos, para nós, duravam vários meses. Ouvíamos e conhecíamos todas as músicas, a sequencia. Depois, além das capas maravilhosas, passamos a saber quem tocava o quê e onde. Agora já tinha uma eletrola Telespark, de móvel. No meu carro, um roadstar. Enfim, veio o cd. Demorei a aceitar. A capa, pequena, nomes quase ilegíveis. Houve o MD, lembram? Vida curta. No carro, cd player. Tudo mudou novamente. Mp4 ou outros padrões. Compro no iTunes. Na maioria das vezes, não vem ficha técnica. Tenho costume ainda hoje de ouvir todo o disco, mas as pessoas, não têm mais essa preocupação. Acabaram os álbuns conceito. É só a música. Acho que nem querem saber quem canta. Tem Spotify. Ando ouvindo discos antigos, todos em cds relançados remasterizados, uma delícia para perceber os instrumentos. Anteriormente era tudo em mono. Essa onda da volta do vinil é somente espuma, de uma galera que gosta de ser diferente. Agora, está tudo na nuvem. Penso que é a próxima onda, se já não for agora. Talvez seja saudosista. Temi, por muito tempo, sentir-me assim. Não tenho medo do novo. Do hardware. Mas tenho saudade do software, da música, que antes, era melhor. O fato é que agora ouço músicas no meu carro, em pen drive.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

EDYR PROENÇA, FARIA 97 ANOS

Hoje seria o aniversário de Edyr Proença, meu pai. Ele faria 97 anos. Já passaram 19 anos de sua morte, que ocorreu neste mesmo mês, no dia 5. Decidi escrever pensando nele, que me acompanha de onde está, me iluminando e mostrando o melhor caminho, como sempre. 
Sabiam que foi remador? Contou-me que o ensinaram a nadar simplesmente jogando-o na maré. Foi também grande jogador de vôlei. Tudo pelo Remo. Também campeão de basquete. Sem vaga na equipe azulina, recebeu convite do clube Júlio César. O pai, Edgar, não aprovou. Sem avisar, jogou e ganhou campeonato. No ano seguinte, foi chamado para o time do Leão Azul. 
Mais velho, havia uma pelada de veteranos no Ginásio Serra Freire. Ai de quem se atrevesse a entrar batendo bola em qualquer garrafão. Dava para ouvir as pancadas. Uma vez, a bola bate no aro. Meu pai salta para pegar o rebote. Mais alto, mais forte, um querido tio pega a bola, vira-se e como uma arma, desfere-lhe uma pancada na cabeça. Zonzo, ele olha atônito. Desculpe, Edyr, pensei que fosse o fulano (outro tio queridíssimo)! Ele também era bom jogador de futebol. Meia armador, mas nessa, apenas peladas com amigos, em vários lugares, mas principalmente no Lago Azul. Em campo de areia, mas iluminado com potentes refletores. Havia outra, aos domingos. 
Conheci e lembro de tantos amigos dele. Difícil citar todos. Cresci e passei a jogar. Lembro o dia em que parou. Já era escalado na ponta direita. Veio uma bola rápida e não conseguiu dominar. Pediu para sair. O corpo não obedecia ao pensamento. 
Desde cedo, nos estádios de futebol, sentado ao seu lado, narrando. “O tempo passa, a barba cresce”, a propaganda da Gilette Azul. Depois, comentando. Às vezes, na volta, no carro, argumentava sobre alguma opinião dele, ao microfone. Lá, não tinha nada de opinião não se discute. Nós discutíamos. Eu aprendia. Era bom. 
E a música? Sabiam que ele teve um conjunto chamado Bando da Estrela? E que minha mãe, Celeste, era a cantora? Fazia a linha do que chamamos de “Regional”, violões, pandeiro e vocais, como o Bando da Lua, de Carmem Miranda. Meu irmão tem ainda um acetato com duas músicas, de Edyr, tocadas pelo Bando. Eu as aproveitei no espetáculo dos 80 anos da PRC5. 
Depois de casado, havia muita responsabilidade. Muitos empregos. Onde estava a música? Os filhos foram crescendo. O violão, de vez em quando pegava e mostrava Noel Rosa e outros grandes. Quando Francisco Alves, o “Rei da Voz”, o “Chico Viola”, veio a Belém, escondeu-se no Teatro da Paz para ouvi-lo ensaiar “Boa noite, meu grande amor!”. Aos poucos foi chegando à Bossa Nova e sobretudo a Paulinho da Viola. Mas era algo esparso, na família. Continuamos crescendo e agora ela rejuvenescia, fazendo companhia, conhecendo os novos grandes artistas. 
Tive a sorte de fazê-lo voltar a compor. Dei uma letra a ele. Escrevi pensando em sua estética. Foi o estopim para uma carreira de compositor maravilhosa, que tem seu maior sucesso em “Bom dia Belém”, dele com minha tia Adalcinda. Juntos, fomos campeões de samba-enredo pelo Quem São Eles. Teve parceiros diversos, como Ruy Barata, Antônio Carlos Maranhão, Ronaldo Franco e minha mãe em várias músicas. Lançou um solo e mais tarde tocou com amigos no Clube do Camelo. Espero, ano que vem, mostrar um CD de inéditas que deixou. Pois é, pensando nele, meu maior ídolo, meu melhor amigo, professor. Meu pai, hoje, faria 97 anos.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

SAUDADE MARAVILHOSA

Muito poucos o conhecem, mas Mário Adnet é um dos melhores músicos brasileiros há tempos. Tem mais discos no Japão do que no Brasil. Cultor da bossa nova, melodicista de primeira, músico, maestro, amante de Tom Jobim, dedicando um CD sinfônico à sua obra e também passando em revista o grande Moacir Santos, Adnet apresenta seu novo trabalho. 
Logo aos primeiros acordes de “Ancestral”, dedicada a Armando Marçal, nos faz embarcar na maravilhosa música popular brasileira. Melodia e execução. Mário ao violão, Marcos Nimrichter ao piano, Jorge Helder no baixo, Rafael Barata na bateria, Marçal na percussão, mais os metais de Eduardo Neves, Aquiles Moraes e Everson Moraes. Que beleza! Onde foi que nos perdemos da MPB? Ou, hoje, seria MBC, música brasileira culta? 
Há bossa nova, samba jazz, baque virado, Ricardo Silveira na faixa título, valsa, uma versão espetacular de “Viver de Amor”, de Toninho Horta e Ronaldo Bastos, e uma versão sambajazz para “Caravan”, o standard de Duke Ellington e Juan Tizol, dedicada a Moacir Santos. Que beleza! 
O lançamento é do Sesc São Paulo. Quem mais se atreveria a lançar um CD com tanta qualidade? Inspirado, corri para minha coleção. O primeiro CD que peguei foi de Caetano Veloso. Ouvi “Paisagem Útil”, a primeira canção tropicalista que ele compôs. O primeiro a ouvi-la foi Paulinho da Viola. “Paisagem Útil”, é a primeira letra a partir de uma paisagem, a do Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro. É uma das minhas favoritas. “Uma lua oval da Esso, comove e ilumina os beijos dos pobres, tristes, felizes, corações amantes do nosso Brasil”. Uma marcha rancho. 
Caetano e Gil tinham um passado de MPB e não de rock, que desenvolveram depois. “Alegria, Alegria”, com guitarras, é uma valsa portuguesa. A orquestração seria de Rogério Duprat ou Briamonte? Há outra de Caetano, que lembro agora, “Trem das Cores” já anos depois, “teu cabelo preto, explícito objeto, castanhos lábios, ou pra ser exato, lábios cor de açaí”. 
Caetano está na Europa, fazendo shows com Teresa Cristina. Paula Lavigne, a mãinha, nos bastidores, faz “lives” através do Instagram de alguns números. Deve ser uma grande felicidade um artista desfilar pelas grandes cidades com ingressos totalmente vendidos. 
Ele cantou “Reconvexo” em Londres. Depois estava em Lisboa. Adiante, vemos a turma conversando, cinco minutos antes de subir ao palco em Madri. Como era boa a nossa música. 
E Belchior? Eu o conheci. Veio a Belém. Conversamos. Papo viajandão como quem recita um monólogo de improviso, conversando consigo próprio. Eu começara a trabalhar em rádio. Ele, mais Ednardo, Fagner, mais Sérgio Sampaio e Luiz Melodia, todos estreando. Como eram bons! Tinham tudo a ver com nossa idade. 
Acho que Belchior, antes de estourar, já trouxe com ele suas melhores músicas. Depois não acho que tenha composto algo de mesmo nível. Quanto ao sumiço, como explicar as pessoas? Como explicar? Vejo moças lindas, formadas, inteligentes (ao que parece), chics e vem a música de sua preferência: sertanojo. Pronto, aí não dá. 
Falta de Educação e Cultura, de ética, da compreensão, do pensamento rico em argumentos, da identificação da beleza a partir da língua. Ou o funk, cujas melodias são inferiores a “Atirei o pau no gato” e as letras, sexo lixo. Passo de carro e vejo casas de shows lotadas de cowboys do asfalto. Ah, como era boa a nossa música. Saudade Maravilhosa

sexta-feira, 5 de maio de 2017

GUERRA E BONDADE

São duas coisas completamente conflitantes? Depende. Assisti, a princípio querendo não gostar, o filme “Até o Último Homem”, dirigido por Mel Gibson. Levou para as telas uma história real, do primeiro soldado considerado “O.C.”, que é algo como Objection of Conscience”, permitido a partir de gestões de Igrejas de Adventistas do Sétimo Dia. O pai de Desmond Doss e o irmão, lutou na Primeira Guerra e voltou para casa cheio de traumas. Espancava diariamente os filhos e a esposa. Em uma dessas vezes, Doss, revoltado, imobilizou o pai, tirou-lhe o revolver das mãos e apontou para sua cabeça. Quase atirava. Quando tudo passou, jurou que nunca teria uma arma. Veio a Segunda Guerra, o irmão alistou-se e foi lutar. Pouco tempo depois, Doss também alistou-se. No campo de treinamento, ao recusar pegar e manusear um fuzil, deu início a um tormento. Seu sargento e os companheiros o humilhavam e até espancavam. Ele envergonhava a todos. Passou pelo psicólogo, general e acabou em um tribunal. O pai irrompeu na sala com um documento que mostrava que a constituição lhe dava o direito de ir para a guerra como médico, sem portar arma. Mesmo com todas as ameaças e pressões, Doss não voltou atrás. Seu pelotão foi travar a grande batalha da guerra no Pacífico, contra os japoneses, pela ilha de Okinawa. Havia uma serra a conquistar. Dois batalhões já haviam sido dizimados. Uma face em abismo vertical era o início. Lá no alto, os japoneses. Não há espaço aqui para discutir o lado certo. É apenas um filme e com o cansaço dos filmes western, americanos transformaram os índios em alemães e japoneses. Estes, correm para a morte, com seus gritos assustadores. Morrem aos magotes e ainda surgem muitos outros. Doss corre de um para outro ferido, dando atendimento e mandando para a retaguarda. Parecem ter uma vitória. O inimigo fugiu. Passam a noite nos buracos feitos por bombas. Não sabiam que os japoneses tinham um túnel por onde sumiam e reapareciam com mais força. Isso acontece. Os americanos batem retirada. Sobraram 32 vivos, que desceram pelas cordas em pânico. Doss, ficou. Veio a noite. Às escondidas, começou a buscar cada ferido e levar para baixo. Descia-os amarrados em cordas. Alguns inimigos surgem, dando golpes de misericórdia em feridos. Ele se esconde. A cada um que descia, pedia a Deus mais força para trazer outro. Foram 75 companheiros, a noite inteira. Enfim, conseguiu descer. Chegando, os companheiros foram felicita-lo mas reagiu com golpes. Estado de choque. Belo ator. Me fez chorar, confesso. O filme ganhou Oscar de melhor mixagem de som. Gibson dirigiu ótimas cenas de batalha. Dá pra sentir o medo a empurrar a coragem de todos. E à noite, a tensão para que Doss trouxesse os feridos. Um por um. Talvez tenha sido essa aflição e o olhar do ator que me tenha emocionado. Mas logo compreendi que foi o impacto da bondade. Essa, tão violenta em um ambiente tão agressivo, me atingiu frontalmente. Doss salvou até o sargento que tanto o humilhava. Morreu no início dos anos 2000. Ao final, vemos fotos e  depoimentos. Em um mundo que estamos vivendo, com tanta maldade, me impressiona a força da bondade. Tento compreender essas pessoas que largam tudo e vão distribui-la no mundo. Esses médicos sem fronteira, por exemplo. Os que cuidam daqueles que perderam tudo. Eu, humano cheio de defeitos, procuro ser bom. Quero seguir meu pai que me disse que tudo o que queria era que eu fosse um homem bom. Distribuir bondade nesse mundo selvagem em que estamos. O filme me emocionou. A bondade, sempre.