Meu pai tinha passarinhos. Curiós em gaiolas. Aos sábados, de madrugada,
partia, com outros “passarinheiros”, para onde ainda havia mata fechada. Seus
curiós eram especiais. “Preseiros”. Quando chegavam ao ponto onde sabiam haver
outros curiós, cada vez mais raros, paravam e colocavam suas gaiolas em pontos
diferentes. Havia sempre uma “curiola” na área e para ela, o “preseiro”
cantava, paquerando, ao que vinha, feroz, o macho, defender sua área, sua
namorada. Ao atacar a gaiola, o “preseiro” com habilidade ímpar, prendia, com
patas e bicos, o atacante, o qual soltava apenas quando meu pai se aproximava.
Mas, ao invés de apreender mais um curio, meu pai o soltava, para que houvesse
mais diversão no sábado seguinte. No mais, aproveitavam para conversar, tomar
banho de igarapé e respirar ar puro. A idade chegou, as idas rarearam até
parar. Os curiós morreram de velhice. Foi bom. Meu pai era de outra geração.
Outra criação. Moleque, empinou tantos papagaios que sofreu grave inflamação ocular.
Coisa de moleque de rua. Os passarinhos, também. Chegou a levar alguns deles a
festivais onde o vencedor era o que cantava mais. O comércio dessas aves ainda
é pesado. De vez em quando o Ibama apreende animais cativos e seus
proprietários. Foi bom que acabou. Nós, os filhos, de outra geração, não
gostávamos. Todos os dias, logo cedo, lá estava ele a limpar gaiolas e colocar
água e comida. Sempre me perguntei o que fazia um pássaro cativo transformar-se
em caçador e ao invés de repelir outras possíveis vítimas, seus iguais,
prende-las e oferece-las ao carcereiro. Nunca me conformei. Aves foram criadas
para voar, cantar, cada uma com sua tarefa na Natureza. A leitura também dá
asas. Muito da minha imaginação devo às estórias de minha mãe, mas outro tanto,
aos livros aos quais me abracei desde cedo, pilhando a biblioteca de meu avô de
seus Dumas e tantas aventuras. Na mente, a selva amazônica se transformava nos
campos da floresta de Sherwood, nas ruas da Paris dos mosqueteiros, em batalhas
navais, enfim. Foi o que mediou meu comportamento “endiabrado”, na época.
Quando havia silêncio na casa, eu estava lendo. Hoje, ainda estou abraçado aos
livros, nas aventuras, de “Game of Thrones” ou “Outlander”, também em series de
tv. Estive, a convite da amiga Olga, na Defensoria Pública do Estado,
acompanhando o lançamento do jornal “Os Canários”, primeiro resultado do
projeto de Remição de Pena “A Leitura que Liberta”, onde presos, a partir da
leitura de livros, diminuem suas penas. Lá, conheci a defensora Izabel, bem
como Idajane, que acompanham, empolgadas, o progresso. Ao invés de ações
desastrosas na área da Cultura, o governo estadual acerta nesse projeto. Um
coral de detentas cantou, outros leram, há poesias e artigos. Emocionante.
Quando penso em uma pessoa apenada, na solidão, no silêncio, na contagem das
horas, mas com a imaginação, viajando em liberdade, feliz, por outros mundos e
ao mesmo tempo ganhando informação, vocabulário e diminuindo seu castigo,
sinto-me impelido a participar com o maior empenho. Nos próximos dias farei
doação de livros de minha autoria e outros que já li. Há uma carência de literatura
adulta. Também moverei o grupo ao qual pertenço, que realiza a Feira Literária
do Pará a se fazer presente em doações e em conversas com essas pessoas, ávidas
por liberdade, imaginação e cultura. Parabéns!
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