sexta-feira, 21 de julho de 2017

O MELHOR LUGAR DO MUNDO

Assisti ao filme “Divinas Divas”, de Leandra Leal, apresentando famosos travestis e suas vidas, após longos anos sob holofotes. O resultado é muito bom, mas confesso que o que me tocou realmente foi o Teatro Rival, ali na Cinelândia, Rio de Janeiro, deixado pelo avô de Leandra e que ao longo do tempo tem permanecido vivo, apesar de todas as crises e concorrência. Seus bastidores, camarins, o palco nu ou já com cenário, mas ainda vazio, momentos antes da abertura das portas para a entrada do público. Se vocês soubessem da vida intensa que existe ali, nos bastidores! Para mim, um teatro é um templo, uma igreja. Para pisar no palco e nos bastidores, há de haver respeito por tudo o que representam. Lembrei do Teatro Cuíra, levado a ferro e fogo, sem ajuda dos órgãos de Cultura do Estado e Município, geridos, há tempos, por ignorantes irritados pelo teatro continuar existindo apesar deles. A epopeia, a luta desigual levou nove anos. Nove belíssimos anos, com grandes espetáculos, mas principalmente, uma vida interna gloriosa. O primeiro dia, quando o elenco se reúne, nos bastidores, em torno de uma mesa, nas poltronas, com o diretor no palco, definindo as primeiras tarefas. As sessões de leitura de texto. As primeiras movimentações, estudos de iluminação, os cenários sendo levantados, figurinos testados, a trilha sonora sendo composta. Principalmente, os atores vestindo, aos poucos, aqueles personagens, trocando ideias. No teatro, tudo se discute. O resultado é absolutamente coletivo. Me deu saudade. Um aperto no coração. E vem o dia da estréia. Há um público lá fora. Ouvimos seu burburinho. Atores terminam a maquiagem. Outros se alongam. Fazem exercícios vocais. Discutem as últimas situações. Iluminadores e sonoplastas estão em suas cabines. Fazemos soar a primeira campa. Alguns olham por algum furinho, através das cortinas, tentando reconhecer alguém. Ouvimos alguém rindo de alguma piada. Vem a segunda campa. Todos reunidos, mãos dadas, até o famoso grito de “merda”. Estamos prontos. Corações acelerados. Agora, apresentaremos o resultado de dois, três meses de ensaios. Somos uma família. Durante aquele tempo todo trocamos opiniões, fazemos confissões, reavaliamos nossas crenças. Alguém avisa que aguardará mais alguns minutos porque ainda há público entrando. Um fica em frente à parede, murmurando prece. Outro silencia. Aquele vai ao banheiro para um último pipi. Nos abraçamos, nos beijamos. As ferragens estão expostas. O piso é gasto. Nas paredes dos bastidores, reflexos de outras montagens. A mesa de maquiagem é improvisada. Em instantes eles estarão no palco e serão outras pessoas. A mágica é feita ali, frente ao público. Tudo é possível. As pessoas nào têm idéia como tudo foi ensaiado, cuidadosamente, para que pareça natural. Fechamos o teatro. Uma tristeza imensa. Ninguém veio nos salvar. Talvez tenham festejado. Retirar as poltronas. Desmontar o palco. As ferragens. Som, iluminação. De repente, um vão livre, um vazio. Um vazio nas nossas almas. Eu via e ouvia um mix de tudo o que se passou. As palmas, os risos. Atores dizendo textos. O caminhão partiu com as poltronas, doadas a uma igreja na periferia. O silêncio. Lá fora a cidade em sua correria. Ali dentro, personagens me perguntavam por quê? O silêncio era a resposta. O uivo do vento entoando uma canção triste. Mas o Teatro vive. Agora estamos em uma casa. Estamos, inclusive ensaiando. Vivendo novamente o processo. O melhor lugar do mundo está nos bastidores, antes de soar a terceira campa. Garanto.

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