sexta-feira, 11 de agosto de 2017

O MAGUENHÉFICO

Quando conheci meu avô, ele já estava bem velhinho. Passava pouco tempo em sua escrivaninha, no segundo andar do Palácio do Rádio, sobre a qual havia sempre muitos recortes de jornal e papéis escritos à mão em uma caligrafia nervosa e difícil de entender. Baixinho, magro e cabeçudo, seus amigos diziam que eu era uma miniatura dele. Nas ruas, andava lentamente, atendendo conhecidos e pedindo-lhes para escrever seus nomes em uma caderneta amassada, dizendo que era para mencioná-los em sua crônica. Na verdade, não lembrava seus nomes.. Às vezes, no imenso pátio da casa em Mosqueiro, antes de sentar e ficar acenando para os amigos, danava a lembrar acontecimentos. Eu bebia o que contava. Uma época maravilhosa, romântica, como uma Paris em plena Amazônia, com homens de paletó de linho, chapéus de palha, cafés lotados.
Nascido em fevereiro de 1892, cedo perdeu o pai, largou os estudos e foi trabalhar para sustentar mãe e três irmãs. Aos sábados, um padrinho reunia amigos em sua casa para almoçar. Ele levava o jornal “O Pau”, que passava de mão em mão entre os convivas que pagavam para ler. O dinheiro servia para comprar livros e cadernos. Foi despachante representando várias empresas, entre elas, a Fábrica Palmeira. Jornalista, escreveu em A Província do Pará, A Tribuna, Folha do Norte e O Estado do Pará, tornando-se um dos grandes nomes do setor, recebendo o título “Príncipe dos Cronistas Esportivos do Norte”. Criou o apelido “Leão Azul”, para o Clube do Remo. Foi um dos fundadores da Aclep, Associação dos Cronistas Esportivos do Pará. Nada disso era suficiente. Edgar Proença também foi redator de revistas como A Semana e Pará Ilustrado, sendo um dos primeiros colunistas sociais, sob o pseudônimo Miracy, crônicas depois reunidas no livro “Gravetos”. Ou ainda “Crônica da Cidade Morena”, o apelido que deu a Belém.
Juntamente com Eriberto Pio dos Santos e Roberto Camelier, fundou em 1928 a querida Rádio Clube do Pará, na qual foi homem de todos os instrumentos, como primeiro locutor esportivo, apresentador de programas, rádio ator e redator. Nas praças esportivas, me contaram, deixava de narrar o jogo em andamento para saudar a chegada de alguma senhorita de grande beleza. Naquela época, eram acontecimentos sociais os jogos de futebol. Imagine se fosse hoje..
Tendo a chance, já adulto, voltou a estudar e formou-se em Direito em 1936, chegando às funções de Juiz Substituto da capital.
Além de “Gravetos”, publicou os livros “Colcha de Retalhos” e “Melodias do Coração”, o que lhe deu lugar na Academia Paraense de Letras. Também atuou no Teatro, sendo autor de peças como “Taça Vazia”, “Blusa de Chita”, “A Mulher que Passa” e “Vestido de Noiva”, apresentadas no Teatro da Paz, casa que dirigiu anos mais tarde.
Quando a Rádio Clube completou 80 anos, escrevi a peça “A Voz que Fala e Canta para a Planície”, encenada pelo Grupo Cuíra, com grande êxito. Foi uma ocasião única para mergulhar na história desse homem esplêndido, realizador, ousado, que a tudo vencia com trabalho, inteligência, talento e verve. Casado com Celina Proença, teve dois filhos, Edyr e Célia. E os netos, todos mexendo em Comunicação, de uma maneira ou outra, caminho, também de alguns bisnetos.

Quando morreu, eu já era adolescente e tinha perfeita idéia da trajetória e dos feitos daquele meu avozinho baixinho e cabeçudo, que andava de pijamas e chinelos arrastando, lendo seus jornais. Um gigante o meu avô. O maguenhéfico!

Um comentário:

Expedito Leal disse...

Sobre Edgar Proença o folclore é vastissimo. E acho até que ele próprio cultivava o que se contava sobre ele em forma de lendas . Contam que certa vez o velho Paulo Maranhão chamou atenção sutilmente de um escorregão que algum locutor mais distraido dera ao microfone da Rádio Clube ao pronunciar a palavra carvalho.O velho Proença ficou na dele.
Só esperando a oportunidade de dar o troco. Em umas da paginas da extinta Folha do Norte jornal de Paulo Maranhão, a mesma palavra fora escrita com omissão do 'v", Edgar Proença então replicou através de sua coluna em "O Estado do Pará", dos velhos tempos de Justo Chermont, dizendo que na rádio dele o "carvalho" sumira depois que o locutor tropeçara. Já no jornal, ficaria impresso pro resto da vida...Maranhão "engoliu" a resposta de seu velho amigo.Eram coisas comuns à época esse tipo de provocação amistosa.