sexta-feira, 25 de agosto de 2017
UM CINEMA PALÁCIO
Trabalho
no Edifício Palácio do Rádio. Do prédio faz parte, também o antigo cinema
Palácio, hoje igreja Universal. Uma grande obra está a ser feita no local. O
volume de entulho que por enquanto é retirado do prédio induz a isso. Passo
muitas vezes em frente à entrada do templo. Invariavelmente olho para dentro,
com curiosidade. Ainda está intacta, menos alguns sofás e o balcão da
bombonière, que havia. Muitos cartazes anunciando cultos e às vezes, uma caixa
de som anuncia novidades. Não tem jeito, sempre sinto uma espécie de dor na
alma, pelo que fizeram com um dos lugares mais importantes da minha vida, onde
assisti tantos filmes e fui feliz. Há uns vinte anos atrás, acho, na companhia
de Rejane Barros, assisti a um culto. Planejávamos uma revista que nunca saiu.
A mudança tinha pouco tempo, de modo que foi um choque encontrar um buraco onde
havia, antes, uma tela. Muitas outras novidades foram percebidas, sobretudo
requintadas técnicas de comunicação usadas pelos pastores. Quase que abro um
luto. É evidente que os cinemas de rua desapareceram, quase todos ocupados por
igrejas evangélicas. Mas o Palácio era sagrado. O primeiro filme que me lembro
ter assistido, bem criança, quem sabe, em sua inauguração, foi “As Pupilas do
Senhor Reitor”. Nào entendi nada. Para ser sincero, pouco olhei para a tela. É
difícil prender a atenção de uma criança nesses casos. Em matinais, assisti
várias vezes “Tom & Jerry” e companhia. Na pré adolescência, marcou-me um
filme chamado “Scaramouche”, sobre um espadachim. A essa altura, devorava
livros de “capa & espada” e me imaginava um herói daqueles, combatendo e
derrubando inimigos à direita e à esquerda, sem nenhum arranhão ou despenteio.
Veio a fase seguinte e com ela, as sessões das sextas feiras, às dez da noite.
Foi quando conheci Buñuel, Antonioni, Godard, Visconti, tantos outros, mas
especialmente, Federico Fellini. Entre todos os filmes, talvez o melhor que
tenha assistido na vida tenha sido “Amarcord”. De vez em quando o revejo e
ainda me emociono. O mundo está ali. Todo. Mas houve também uma sexta feira
gorda, pleno carnaval, noite chuvosa em que assisti “MacBeth”, de Roman
Polanski e voltei para casa muito impressionado. “A Piscina”, com Maurice
Ronet, Romy Schneider e Alain Delon também foi lá. “2001, uma odisseia no espaço”,
também. “Blade Runner”. Lembro, na época, conseguir no Rio de Janeiro, em um
sebo, o livro original, que devorei, famélico. Houve também “Ensina-me a
Viver”, com uma trilha especial, com música de Cat Stevens e também “Friends”,
romântico, com trilha de Elton John. Junto com livros, música e teatro, o
Palácio está na formação de minha pessoa. É claro que houve outros filmes no
Cinema Catalina, na Base Aérea, no Cinema Um, na sede do Bancrévea, ali na
descida da antiga São Jerônimo, mas o Palácio com sua suntuosidade, a música de
abrir as cortinas, as poltronas, tudo era uma cerimônia perfeita. Hoje, meu
coração se sente ao olhar para a nova destinação do lugar, usurpado. Imagino,
na escuridão, quando todos vão para suas casas descansar, os personagens dos
filmes circulando, perguntando o que aconteceu, qual a razão disso tudo. É
outro mundo, agora do streaming. Nas telas, filmes espetaculares onde não
importa o enredo e sim as explosões monumentais, a manipulação das imagens, a
rapidez com que tudo é conduzido. Todos em pequenas salas. Com o streaming,
qualquer tela. A arte vive, isso é importante, mas os filmes que ajudam a
constituir uma imaginação e armazenam argumentos, formam opinião,
desapareceram. E o cinema Palácio continua em minha memória, num velho baú de
prata. Como era bom!
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