quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

CELESTE CAMARÃO PROENÇA DISSE ADEUS

Minha mãe faleceu. Prestes a completar 96 anos de idade, Celeste Magno Camarão Proença despediu-se de nós pouco depois das duas da tarde da segunda feira passada. Penso em tudo o que uma pessoa, nessa idade, viu em toda sua vida. Nasceu alguns anos depois da Primeira Guerra, da Revolução Russa, com alguns inventos surgindo. Filha da nobreza marajoara de Muaná foi irmã, entre várias outras, de Adalcinda Camarão, a grande poeta. Jovem, circulava no meio cultural como cantora, destacando-se quando passou a ser crooner de um conjunto chamado Bando da Estrela. Um de seus integrantes, Edyr Proença, tornou-se seu marido. E aí veio a Segunda Guerra Mundial, mais inventos e os filhos chegando. Cinco filhos. A cantora se tornou a grande mãe, assumindo crianças bastante danadas, envolvendo-as com a Cultura, através da poesia, da música, do teatro. Para aguentar o rojão, o pai tinha vários empregos e ela cuidava da retaguarda. Inventou até um jornal semanal que circulava com as aventuras da casa. Havia expedições à casa no Lago Azul, que àquela época parecia muito distante. E ali inventava de uma tribo de índios com um pajé que fazia mágicas incríveis. Ou então as expedições ao Mosqueiro, pelo Presidente Vargas, onde chegava levando a turma, com malas especiais, como aquela em que havia escrito “Farmácia”, muito importante, com moleques tão levados. Íamos à Ilha dos Amores e ouvíamos poemas. Nós adolescemos e os pais, também. Meu pai, antes tão assoberbado de trabalho, agora tinha mais tempo e retomou o violão. Ela retomou o canto. E tocavam, cada um dos filhos precisava cantar algo. Imagino a paciência deles, comigo. Comecei a compor letras e dar ao pai para musicar. Ela completava. Os dois saiam pela noite, circulando na casa de amigos em longas noites de seresta em que cantavam não somente clássicos, mas músicas de sua autoria. Quando cantava, sua voz tinha os volteios de uma Carmen Miranda, como estilo, o que era cheio de charme. Também compunha, letra e música. Publicava poemas amazônicos em A Província do Pará e Diário do Pará. Lançou dois livros, um deles dedicado ao primeiro neto, meu filho, Felipe Augusto. Participou de associações de escritoras e jornalistas. Mais do que tudo, reinventou-se. Os filhos casaram, bateram asas e ao invés de ficar jururu pelos quartos vazios do apartamento, tornou-se uma das mais elogiadas professoras de Redação para Vestibular, da cidade. Um sem número de jovens passou por suas mãos e até hoje lembram dela com carinho. Mais do que simplesmente ensinar as regras gramaticais, ela tinha o talento de puxar de cada um deles, a vontade de se expressar corretamente, em um aprendizado cuja vitória no vestibular era só um detalhe, pois essa Cultura, levamos para a vida toda.

A mim, deu-me tudo. Toda a imaginação que me fez escrever livros, peças teatrais, músicas, enfim, tudo, veio dela. De suas palavras, sua imaginação, seus sonhos de grandeza, talvez sem perceber que seu maior mérito, seu grande galardão foi criar cinco filhos naturais e depois, centenas de “filhos” que chegaram nervosos, temerosos à sua sala de trabalho e saíram para vencer no mundo. Isso não tem preço. E como disse no início, imagine tudo o que ela viu. Televisão, computadores, aviões a jato, foguetes para a lua, internet, ufa, Celeste, você foi demais. Como você brilhou! Você estará comigo, em meu coração, para sempre. Afinal, eu nunca passarei de ser o seu Kuí de farinha. Tudo o que faço, fiz ou farei é para você. Não quero outra coisa na vida.

Nenhum comentário: